Por que dar uma chance ao Homem-Aranha multiétnico


Nossa avaliação

Peter Parker, um adolescente de classe média do Queens, Nova York, é o Homem-Aranha. Bem, na linha de quadrinhos “Ultimate Comics”, publicada pela Marvel, isso já não é mais verdade. Peter Parker morreu em combate contra o vilão Duende Verde, e um outro garoto resolveu vestir o uniforme do aracnídeo e continuar seu legado. Só que, como descobrimos em “Ultimate Fallout #4” (edição lançada na última quarta-feira), esse garoto é negro e tem descendência porto-riquenha.

Para muito leitores, a substituição do herói por um personagem que representa uma minoria não passa de uma jogada de marketing, voltada para atrair a atenção da mídia e vender mais revistas. A esses leitores, preciso dar a notícia: tudo aquilo que acontece no mundo ficcional dos quadrinhos tem como objetivo vender revistas. É sério. É isso o que a Marvel, como qualquer editora, faz: vender revistas. Não significa que a história será ruim, muito embora existam incontáveis exemplos de “jogadas de marketing” que renderam histórias péssimas. O primeiro Robin, o parceiro do Batman (já devem ter ouvido falar dele, certo?), foi criado como uma jogada de marketing, e está aí até hoje, com uma legião de fãs fervorosos.

 

Para vários leitores americanos (e não-americanos), a escolha de um personagem não branco para vestir o uniforme do Aranha é uma afronta. Bom, nós temos um nome para essa atitude: se chama racismo. Não é a primeira vez que surge esse tipo de controvérsia, mas ela em geral tem a ver com a escalação de um ator negro para interpretar um personagem branco.

Como quando Michael Clarke Duncan foi escolhido para viver o Rei do Crime em Demolidor – o Homem Sem Medo – e embora ele não tenha feito um grande trabalho, temos que admitir que não havia nenhum ator branco que pudesse interpretar o enorme Wilson Fisk. Ou quando Idris Elba foi escalado para ser Heimdall, na recente adaptação de Thor – e roubou a cena a cada aparição, chutando bundas e anotando nomes.

Ou ainda, para citar um exemplo recente, como quando Lawrence Fishburne foi anunciado como o ator que viverá Perry White, o editor do Planeta Diário no próximo “Superman” (a mídia americana, distraída com a notícia do Aranha negro, perdeu a chance de fazer vários trocadilhos irônicos com o sobrenome do personagem).

Mas aqui o caso não é o de uma “versão” negra de Peter Parker, e aí voltamos ao velho argumento: a revolta pela substituição de um personagem “amado” por um ilustre desconhecido. Li muitos comentários de leitores brasileiros dizendo basicamente a mesma coisa: “eu não quero ver nenhum herói que não seja o original”. O fato de que, na continuidade “tradicional”, Peter Parker está vivinho da silva e continua a ser o Aranha em pelo menos quatro títulos mensais, sequer diminui os protestos. O Hudson, na página do Omelete, chegou até mesmo a soltar a frase: “se não querer ver o Aranha negro ou homosexual é ser preconceituoso, racista e homofóbico… então eu sou mesmo!”

Bem, Hudson, se você é racista ou não, não sei dizer. Se eu fosse descrevê-lo – e aos outros leitores que compartilham da sua atitude – eu usaria o termo xenofóbico. “Xenofobia” significa “medo de estrangeiros”, mas é aplicado normalmente no sentido de medo ou aversão a qualquer coisa que seja “diferente”. Todo racista é xenofóbico, embora, evidentemente, nem todo xenofóbico seja racista.

Porque “xenofóbico”? Porque, caras-pálidas, os senhores já decidiram odiar um personagem antes de sequer ler uma única historinha em que ele apareça. O odeiam porque não o conhecem, e isso é, sim, preconceito; seja ele negro, branco ou roxo com bolinhas amarelas.

Em entrevista recente, o gênio dos quadrinhos Alan Moore mencionou como os quadrinhos de super-heróis estão decadentes porque insistem em reciclar infinitamente as mesmas ideias. A verdade é que os fãs de HQs são hoje mais velhos, e preferem reviver nostalgicamente as experiências da juventude do que se arriscar em novas histórias. Mea culpa… Sou tão parte disso quanto vocês, receio.

O caso de Miles Morales sequer é novo. O herói que morre e é substituído por um novo personagem é uma trope já antiga nas HQs. Por exemplo: há poucos anos atrás, Ted Kord foi substituído como o Besouro Azul pelo adolescente descendente de imigrantes mexicanos Jaime Reyes. Os fãs chiaram. Juraram que Ted era o Besouro Azul e ponto, que não aceitariam imitações. Ignoraram completamente o fato de que Ted sequer era o Besouro original, e que já havia existido um outro personagem por trás daquela máscara, chamado Dan Garret. E, ainda assim, os poucos que se arriscaram e compraram o título mensal do herói, puderam ler algumas das melhores histórias do personagem já contadas.

Para os leitores da minha geração, Kyle Rayner é o melhor Lanterna Verde, e não o “original” Hal Jordan. Wally West era o Flash, e não o “original” Barry Allen. E se você discorda, eu ainda te cutuco dizendo que Hal e Barry não eram os originais, mas Jay Garrick e Alan Scott, sim.

Já me cansei de ver fãs em fóruns de discussão explicando que o atrativo do Aranha era o fato de ele ser um herói mais sofrido, um pé-rapado lutando contra uma vida ferrada, e não um sujeito perfeito e infalível como o Superman. Agora imaginem só como seria ainda mais ferrada a vida de Peter Parker se ele fosse, além de azarado, nerd e pobre, meio negro e meio latino em um país racista. Se os obstáculos fazem o herói, ouso dizer que Miles pode acabar sendo um Parker mais Parker que o próprio Parker.

E imaginem também o seguinte: toda uma nova geração de leitores vai crescer lendo essa versão de “Ultimate Spider-Man”. Para eles, pode ser que Miles Morales venha a ser O Homem-Aranha, e não Peter Parker. E, quem sabe, talvez por terem como herói um personagem minoritário, aprendam a serem mais tolerantes, e acabem se tornando pessoas melhores do que nós. Isso não seria super legal?


6 respostas para “Por que dar uma chance ao Homem-Aranha multiétnico”

  1. E se eu não gostar da ideia simplesmente porque eu gosto do Peter Parker como o Homem-Aranha? O que eu acho chato dessa história de etnia é que te obriga a entrar no barco. É meio que um golpe baixo pra que você se veja obrigado a aderir. Não sei quanto aos outros opinadores por aí, mas eu não gostaria que o Aranha fosse qualquer outro que não o Parker. A diferença é que se fosse um outro sujeito branco típico, eu poderia odiar. Mas como é um negro latino, eu devo me sentir culpado por não abraçar a causa ou ser chamado de preconceituoso, racista, xenofóbico, etc.

  2. Guerrinha,
    não vejo como isso “te obriga a entrar no barco”. Você pode optar simplesmente por não comprar a revista. Se prefere o Peter Parker, há pelo menos quatro outros títulos mensais (americanos) com o personagem, que continua vivo no universo Marvel tradicional. Ou seja, a dose mensal de Peter Parker ainda vai ser quatro vezes maior (sem contar as participações do personagem em duas revistas dos Vingadores e no Quarteto Fantástico) do que a desse novo Homem-Aranha.

    Não comprar a revista não fará de você racista, embora fosse preferível conhecer o personagem antes de julgá-lo. Mas a partir do momento que você começa a comentar abertamente contra o personagem em um blog, por exemplo, aí você se alinha a outras pessoas de opiniões bem deploráveis e corre o risco de ser colocado no mesmo barco que elas.

  3. O meu comentário não é contra o personagem, mas contra a jogada que é botar o Aranha como um negro latino. E não é por conta da finalidade de vender mais, que pra mim só o fato de matar um personagem já cumpre, mas de usar a culpa como meio para esse fim.

    Realmente o melhor é sempre conhecer um personagem sem julgar. Ainda faço questão de acrescentar: julgar pro bem ou pro mal. Mas confesso que existe uma penca de personagens por aí que eu não conheço e devem ter lá os seus méritos, mas que eu não tive saco pra conhecer. Tranquilo com a minha consciência, para mim o novo Aranha será só mais um personagem desses. Se algum dia alguém me recomendar depois de ter lido, claro, eu posso começar a ler. Mas eu não quero fazê-lo por culpa de uma situação social.

  4. Parabéns ao Filipe Freitas pelo texto.
    O artigo soube mostrar bem como é tênue a linha entre a crítica fundada na percepção do autor e a por puro racismo mesmo. Pessoalmente, gosto do Parker e não sinto vontade de conhecer a nova revista simplesmente porque, como leitor ocasional, sempre me perco em universos paralelos e novos personagens… mas convenhamos, se o “verdadeiro” Aranha está presente em outras revistas, qual o problema do herói ter sido substituído?
    A opinião dos críticos “tradicionalistas” nesta questão me faz lembrar daqueles que se incomodam com as camisetas “100% negro” e argumentam que se usassem camisas com escritos de “100% branco” seriam taxados como racistas… E ainda temos os que querem (precisam?) o dia do “orgulho heterossexual”!

  5. Eu gosto muito do Peter, e fiquei perplexo quando soube que ele morreu e ia entrar outro para continuar o legado. Não gostei disso. Queria que continuasse a ser o Peter e talvez, tipo, quando ele estivesse velho e com filhos, nessa realidade o filho dele poderia continuar o legado. Desse jeito seria legal. Todo mundo gosta do Peter desde que era criança provavelmente, e acho que trocar por outro personagem vai ser muito ruim. Mas não podemos julgar um livro pela capa. Vamos dar uma chace e ver como é que fica.

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