Na Prateleira: Twin Peaks (1990 – 1991)

Laura Palmer

Nossa avaliação

“Quem matou Laura Palmer?”. Criada por David Lynch e Mark Frost em 1990, “Twin Peaks” se tornou sensação na televisão mostrando os desenvolvimentos sobre a investigação da misteriosa morte da jovem Laura Palmer. Estudante, bonita, popular, caridosa, Laura parecia a garota perfeita, mas o crime acaba por revelar que ela escondia segredos impensáveis.

Não é exagero dizer que sem “Twin Peaks” não haveria “Arquivo X”, “Lost”, “Fringe”… A série inovou em uma mistura bem dosada de investigação policial, temática sobrenatural e episódios que não se resolviam em si mesmos, funcionando como uma espécie de novela que é preciso acompanhar todos os capítulos para entender. A grande ideia de Lynch e Frost foi transformar o assassinato em uma premissa que era uma mera desculpa para revelar os segredos guardados pelas várias tradicionais famílias da cidade ficcional de Twin Peaks. Se ninguém é normal visto de perto, pela ótica de David Lynch as pessoas são mais bizarras ainda.

Tudo começa quando é encontrado o corpo da tal Laura Palmer e o agente do FBI Dale Cooper chega à cidadezinha para investigar os crimes. Ele se une ao xerife Harry Truman e os dois começam a se envolver em uma trama que a cada episódio apresenta uma nova faceta e vai ficando cada vez mais complexa, mostrando segredos guardados por personagens até então insuspeitos. Bobby Briggs, Shelly Johnson, Catherine Martell, Ben Horne, Donna Hayward, Leland Palmer, Audrey Horne, Norma Jennings, James Hurley, Josie Packard, Dr. Jacoby, Leo Johnson… São vários os suspeitos que vão se revelando aos poucos, demonstrando uma personalidade diferente daquela que se imaginava à primeira vista.

Laura Palmer

A primeira temporada de “Twin Peaks” é brilhante, juntando mistério, terror, humor e várias histórias secundárias que eram tão –ou mais –interessantes que o assassinato de Laura. Os episódios dirigidos por Lynch nem precisavam de sua assinatura nos créditos. Estão lá as características mais marcantes de sua obra, com uma estranheza constante em um retrato da realidade que nunca é de todo real, onde sonho, alucinação e perversões se misturam de forma única. Ou onde mais você poderia ver uma elegante sala vermelha com um anão dançante, um gigante mensageiro, uma ruiva com um tapa olho obcecada com trilhos de cortina? Além disso, a trilha sonora de Angelo Badalamenti é perfeita em seus temas mais irônicos e também emocionante nos momentos mais dramáticos (como o “tema de Laura Palmer”), sendo peça fundamental para criar o clima de estranhamento e ao mesmo tempo identificação que perpassa toda a série.

A meditação transcendental tão divulgada pelo diretor está presente também, através da figura do investigador Dale Cooper, que utiliza de métodos pouco convencionais para desvendar os vários mistérios do caso. Cooper, alias, é um dos melhores personagens já criados para um programa de televisão, e o ator que o interpreta, Kyle MacLachlan, é um dos grandes responsáveis para que uma série que tinha tudo para ser pesada e violenta seja divertida e bem humorada. Seu agente do FBI é tão estranho quanto as pessoas que investiga, em uma espécie de pré-Fox Mulder (David Duchovny, aliás, faz uma divertida participação na segunda temporada como o agente travesti Dennis) com mais humor.

David Duchovny como Dennis e Kyle MacLachlan como Cooper

Todo o elenco secundário é ótimo – com rostos marcantes que são importantes para uma série que precisa diferenciar para o público tantos personagens – e entregam atuações que permanecem o tempo todo na tênue linha entre o drama e a comédia (talvez Marshall como James seja o mais fraco em cena, mas não compromete). E o que faz “Twin Peaks” funcionar tão bem é o fato da série não se levar a sério em momento algum, rindo de suas próprias histórias ao mesmo tempo em que possui um desenvolvimento dramático cuidadoso, o que resultou em 18 indicações ao Emmy e na vitória de três Globos de Ouro .

Mas tudo que é bom tem que acabar um dia, e veio a segunda temporada… O esperado aconteceu: com tantas tramas, subtramas e personagens novos surgindo a todo o momento, a série não apenas perdeu o foco no que deveria ser o plot principal (o assassinato de Laura) como também nas histórias secundárias, tornando-se um emaranhado de situações confusas e vazias.

E assim, com a baixa audiência, a solução do assassinato foi revelada logo no início da segunda temporada. Como ocorreu recentemente com “Lost”, o desfecho do mistério não conseguiu atingir toda a expectativa criada: assim como naquela série, a graça estava em juntar as peças e não em concluir o todo. Mas funcionou bem, aparando várias pontas soltas e até certo ponto surpreendendo.  O problema é que a partir daí a coisa fica bem estranha (e não no bom sentido lynchiano). Sem o mistério evolvendo o crime, “Twin Peaks” parte para tentar explicar cada uma de suas subtramas e criar um novo mistério envolvendo o desaparecimento do pai de Bobby e o retorno de uma espécie de arqui-inimigo do agente Cooper.

Neste momento fica parecendo que os roteiristas não tinham na verdade preparado nenhuma solução para suas subtramas, simplesmente jogando novos mistérios para atrair o público.As reviravoltas são forçadas, personagens mudam de personalidade e alguns como Bobby e James simplesmente perdem qualquer função narrativa. A série descamba para a comédia e vira simplesmente uma produção sobre pessoas estranhas em uma cidade estranha. Poderia até funcionar, mas os episódios arrastados são a prova de que não se havia mais nada a dizer após a revelação do assassino de Laura Palmer, e tudo parece uma grande encheção de linguiça para dar conta da duração dos episódios.

Mas apesar dos pesares, trata-se de uma das séries mais inteligentes e inovadoras já produzidas. Arriscada em sua violência, humor negro e abordagem do paranormal, “Twin Peaks” é um marco e não envelheceu em sua capacidade de prender o espectador em frente à tela da tv. Apresentando um final em aberto e completamente desolador para uma possível terceira temporada que nunca aconteceu, a série se encerra de forma abrupta, com mais perguntas do que respostas. O episódio final, dirigido por Lynch, pelo menos entrega uma das sequências mais sensacionais da carreira do diretor: em um labirinto de cortinas vermelhas, Cooper se encontra em um verdadeiro pesadelo, perturbador e repleto de imagens marcantes. Mas se a segunda temporada desandou a receita, apresentando episódios extremanente irregulares, a primeira permanece uma obra-prima da teledramaturgia.

Não sabe quem matou Laura Palmer? Melhor assim: a diversão está em investigar. E no caminho descobrir uma das cidades mais fascinantes já criadas pela ficção.


2 respostas para “Na Prateleira: Twin Peaks (1990 – 1991)”

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