Entrevista: Marcelo Adnet e Eduardo Sterblitch


Nossa avaliação

Antes de começar a entrevista, Marcelo Adnet assobia em cima do gravador, enquanto Eduardo Sterblitch cantarola “Evidências”. Conversar com duas das maiores revelações do humor brasileiro nem parece trabalho. A dupla protagonista de “Os Penetras” nos recebeu em um hotel em São Paulo num dia de muita chuva e engarrafamentos gigantescos. Mas nem parecia ligar pra nada disso. “Olha aí a ideia que você deu…”, reclama Sterblitch para Adnet após tentar umedecer um biscoito no café e ele se partir caindo dentro da xícara. “Mas tem que ter classe né…”, dispara o outro.

Os dois aparentam fora da tela a mesma química que mostram no filme, e fizeram um bate-papo que poderia ser resumido como sobre “limites”. Na (longa) entrevista a seguir, eles deram respostas interessantes pautadas por um timing cômico perfeito. Como, aliás, é comum aos grandes nomes do humor.

Já tiveram alguma experiência de penetra?

Marcelo Adnet: Eu particularmente não, porque eu sou muito caretinha, muito certinho. Então ficaria com muita vergonha de entrar de penetra em algum lugar, ficaria mal demais. Mas às vezes a gente é levado a isso, né. Ser penetra. Mas eu sempre fui muito politicamente correto. Eu acho que há limites no penetrismo. Qual o limite do penetra?

Eduardo Sterblitch: Eu convivo com o maior penetra do Brasil, né (Daniel Zukerman, o Impostor do “Pânico na Band”). Mas eu não tenho essa capacidade de cara de pau não. Nunca tive experiências muito absurdas de penetrar não. Eu já penetrei uma vez… (silêncio seguido de risos). Quando era muito novo, morava em uma cidade do interior, eu queria ver um filme, mas não tinha dinheiro pra ir ao cinema, aí fingi que eu era jornalista. Fui com uma pranchetinha, imprimi o logo de um jornal… Disse que queria fazer a resenha do filme tal… E o cara me deixou entrar. Mas provavelmente me deixou entrar porque era ridiculamente impossível eu ser um jornalista com 14 anos de idade (risos). Mas… então a gente nunca penetrou não… concluímos isso, né.

M: É… grandes penetradas não… pequenas penetradas, discretas (risos). Até porque hoje em dia a gente é penetra oficial, né. Acho que qualquer pessoa pública no Brasil acaba ficando meio um penetra de direito. Mas a gente agora tem que se controlar também, porque é feio. Quando você é penetra público aí é terrível. Não pode fazer isso.

E: Não pode.

M: Sabe o seu cartãozinho de embarque que você pode embarcar na frente? Eu fico com vergonha de exercer esse direito.

E: Ah, eu sempre vou no Ouro Diamante, fingindo que eu tenho. Isso aí eu faço.

M: Você não tem?

E: Não. Eles não conferem. Então eu sempre vou no Ouro Diamante, vou no Tam Fidelidade, que é uma filinha menor…

M: Que absurdo…

E: …Eles não conferem. Então façam isso porque eles não conferem (risos). Façam isso aí.

Como foi este encontro dos dois?

E: Vou falar por mim. Foi ótimo, nem foi uma surpresa muito grande, porque eu já sabia do talento que o Adnet tem e não é rasgando seda não. É e não é. Porque é um cara que eu admiro muito, tem um humor muito autêntico. Eu admiro humoristas autênticos, não humoristas humoristas. Tem uma identidade muito forte no que ele faz… Ele tá me bulinando agora aqui por debaixo da mesa… (risos) Não tem como duas pessoas fazerem o que ele faz, então isso torna ele muito autêntico. Quando me falaram que ia ser com ele o filme, foi um dos motivos de eu ter aceitado.

M: Fiquei muito amarradão de fazer esse filme com o Edu porque… Você meio que roubou minha fala, porque eu ia dizer que você que é autêntico, blá, blá, mas enfim… Mas acho que a fala dele cabe totalmente pra mim e…

E: A gente se curte (risos).

M: A gente se curte e tem um humor diferente e aí a gente encontrou um ponto onde isso se encaixa.

E: Posso estar falando uma grande besteira, mas acho que parte da gente ter se dado bem é ter trabalhado os dois em televisão também. Televisão dá uma parada de você ter que ficar trabalhando muito junto com a pessoa. A gente se encontrou num projeto muito legal, que dava tempo pra gente pensar e absorver as coisas…

M: A gente ia na casa do Andrucha (diretor de “Os Penetras”), lia o roteiro inteiro, e depois dava as nossas opiniões. Por mais absurda que fossem, umas até entraram. E o Andrucha… é impressionante como ele é aberto a ouvir. Então tudo que a gente falava o Andrucha considerava, com carinho. Até você cara, você falou que era parecido com o Jude Law (risos), você não falou isso?

E: Eu não falei isso.

M: Não falou?

E: Eu disse que tem pessoas que disseram que eu pareço… (risos)

M: Perfeito, perfeito.

E: …que eu lembrava o Jude Law…

M: E o Andrucha falou: é isso aí!

E: E foi uma referência em cima, mas eu não me acho nem um pouco parecido, mesmo. Sou um pouco menos calvo, só. (risos)

M: Tem uma coisa importante que é a maneira do Andrucha fazer cinema. Ele não amontoou um monte de coisa, um monte de gag, um monte de personagem… O que ele fez foi contar a história com um olhar muito cinematográfico. As cenas são bonitas, são bem feitas, a fotografia é muito caprichada, a luz, até o ritmo, a maneira de contar a história não é muito clichezenta, ela foge, tem até uma coisa de cinema europeu, de cinema italiano ali, uma pontinha. E isso já é uma grande novidade, esse sabor que ele deu. Então acho que foge um pouco desse esquema, eu diria, clichezento. Acho que isso é um mérito do filme, ele se destaca um pouquinho das comédias nacionais.

Queria que vocês falassem um pouco sobre esta questão tão discutida agora sobre o limite do humor em relação ao politicamente incorreto…

(Eduardo Sterblitch coloca a mão no rosto, simulando desespero com a questão)

M: Você lembra da frase que a Suzana Vieira falou sobre isso?

E: (imitando a voz de Suzana Vieira, que faz uma pequena participação no filme) O limite do humor é a morte! (risos) Eu posso ser muito sincero? Acho que não existe isso aí cara: limite de humor. Acho que depende de cada um, cada humorista tem que saber qual o caminho que ele segue. Tudo parte do bom senso do humorista e do papel que ele se dá como humorista. Eu considero humorista um cara que nem pensa em mídia, nem pode pensar em mídia o que é legal, o que não é legal. Até porque quem define o que é engraçado ou não, não é o humorista, é o público. O humorista ele só é o maestro de humores. Existe o bom humor e o mau humor. Não existe só o bom humor. Então o humor é da natureza humana, o papel do humorista é fazer o público transitar entre o bom humor e o mau humor com excelência. Então se você fizer um cara que tá muito feliz ficar triste e incomodado, também é humor, você mexeu com o humor dele. O Rafinha mexeu com o humor da Wanessa Camargo. Então ele é um humorista, ele mexeu com o humor, deixou pessoas chateadas, deixou pessoas rindo… Então, se o cara faz mal ou faz bem, ele é humorista. Não tô falando bem do Rafinha Bastos, até não gosto do trabalho dele, deixo bem claro isso (risos). Brincadeira.

Você ia acabar na capa de todos os jornais com essa declaração (risos)

E: Qual o limite das capas de jornal? (risos) Eu trabalho numa parada de trabalhar. Eu faço uma coisa que eu tenho uma área de conhecimento como humorista – se eu for humorista – muito pequena, então eu fico aqui pisando na linha de vez em quando, mas não saio do meu conhecimento daquilo ali. Eu acho que tem pessoas que exageram porque saem da linha de conhecimento deles, fazem coisas a toas que não mudam nada. Acho que quando você faz uma piada que não muda absolutamente nada, à toa, pode ser que você está passando do seu próprio limite. Acho que o papel do humorista é conhecer o próprio limite dele, conhecer as dificuldades dele. Acho que todo mundo trabalha com o próprio limite. Essa coisa do limite do humor… criou-se muita polêmica em cima isso. Já não virou mais humor, virou polêmica. Virou alexandrefrotice. (risos) Eu acho errado um humorista responder judicialmente a uma piada. É o trabalho dele, ele não pode responder judicialmente a uma piada.

M: Você já percebeu que ninguém pergunta “quais os limites do drama?”. “Ah, isso foi muito triste, aí passou” (risos) “Aí sou contra…”.

E: Eu respeito os caras realmente contracultura e respeito os caras que entendem o próprio limite deles. Mas acho que toda piada é legal prum certo tipo de público.

M: Eu nunca vi ninguém que conseguisse responder essa pergunta com clareza.

E: Tipo eu.

É uma preocupação mais recente…

E: Acho que o que mudou não foi nem a piada, foi que tem muita gente dando opinião agora. Tem muito formador de opinião, muita gente com opinião na internet. Então tá muito mais em evidência qualquer coisa que você faz hoje em dia do que 30 anos atrás, quando só o jornal publicava. A informação corre muito mais rápida, com mais informação você tem mais opinião. E quando dá voz às pessoas, as pessoas falam mais automaticamente. E eu acho que é bom e ruim. Acho que tudo é bom e tudo é ruim. Até a morte é bom e é ruim.

M: Olha que bonito isso (risos). É que o humor dá muito certo. E o humor tem poder, é uma maneira de crítica muito forte. Então você começa a querer regulamentar sem ter regulamentação. É igual: qual o limite da paquera? Não sei. O cara vira pra trás e fala uma parada, se a mulher se ofender, ela tem o direito de reclamar. Como é que regulamenta isso? Então é uma coisa que a própria sociedade se patrulha. Então se eu ouvir uma piada, e se eu me sentir ofendido eu reclamo com a força que eu tenho. Muitos tem o direito de reclamar e muitos tem o direito de fazer. Então é uma luta que não tem resposta. E é tudo válido. O humorista tem que fazer a piada e o público pode reclamar.

Quais ideias que vocês deram que acabaram entrando no filme?

M: Pô, me ajuda cara? (virando para Eduardo Sterblitsch)

E: Não (risos)

M: Ah, o personagem ter uma tatuagem ridícula. Eu pensei: esse é um cara que com certeza teria uma tatuagem muito escrota. Então ele tem um golfinho no braço totalmente errado.

E: Eu tenho uma tatuagem escrota.

M: Ah, na bunda, né.

E: Uma pinta.

M: Ele tatuou uma pinta na bunda. Bom…

E: Qual o limite? (risos)

M: Qual o limite da tatoo? Mas me inspirei também em gírias, um cara na praia que ao invés de me chamar de “parceiro”, que já é uma gíria datada, me chamou de “ceceiro”. Que é um “parceiro” mais carinhoso. “Aí ceceiro…”. essas pequenas inspirações assim. O Andrucha foi bem generoso.

E como foi para vocês fazer drama?

M: Você tem uma resposta bonita pra isso.

E: Tenho (risos). Eu acho mais fácil fazer uma pessoa chorar do que fazer uma pessoa rir. Fazer chorar eu acho mais fácil porque acho que a tristeza é mais próxima do ser humano do que a felicidade. Tanto que todo mundo almeja ser feliz. É o meu pensamento. Gostou?

M: Gostei.

E: Foi um desafio muito legal. Eu não conhecia o Adnet trabalhando junto com ele. Então fiquei preocupado, porque o cara tinha que me ajudar aqui, porque não tenho experiência né. Quando tinha cena mais séria junto a gente se preocupava de decorar junto e passar força um por outro junto. E deu supercerto.

A: Nas cenas de humor a gente fica mais seguro, mas no drama a gente ficava bem atento e respeitava as cenas dos momentos dramáticos mais até do que os de comédia, porque a gente sabe que não somos experts nisso. Mas eu acho que o humor que o Edu faz tem uma coisa dramática ali. Já perceberam quando a câmera tá no Pânico no estúdio a tá todo mundo “yeah yeah” e a câmera chega no Edu e ele tá assim: (faz cara de sério). E você estudou né, cara, atuação.

E: Estudei atuação. A comédia que eu fazia era baseada naquilo que eu amava: Keaton, Chaplin, Peter Sellers. Era sempre a comédia mais pro trágico, comédia clássica mesmo. E fazia clown. E clown de rua, que são os caras mais tristes que tem. E tive aula com um clown de rua que me apresentou Beckett, Joyce… e fudeu minha vida (risos). Então meu humor sempre foi ligado à tragédia, eu estou sempre me boicotando nas coisas, até na vida acabou acontecendo isso. E o público tem que acreditar na gente no drama.

M: A gente respeitou os momentos de drama e fez com muito cuidado.

E: É, a gente fez superpreocupado.

(O assessor de imprensa do estúdio entra na sala para avisar que acabou o tempo da entrevista)

M: Já??? Quais os limites do tempo? (risos)

Obrigado.

E: Obrigado a você, cara. Vai com Deus aí.


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