Looking 1×01 – Looking for now


Algumas semanas atrás, fui a um bar vestindo a camisa do meu time de futebol. Para resumir uma longa história, eu terminei quase espancado pelos torcedores do time adversário que estavam lá e tinham acabado de perder uma partida. No dia seguinte, um sagaz amigo me disse que, se eu tivesse brigado num bar por causa de futebol, ele revogaria minha carteirinha de gay.

Talvez esse seja o estado da arte em 2014: depois de afirmar que, sim, gays existem e vieram para ficar, nós estamos perdidos entre o que as pessoas acham que nós somos, o que queremos ser e o que a gente realmente é. Esse é o lugar onde se encontram os três personagens centrais de “Looking”, nova série da HBO criada por Michael Lannan e Andrew Haigh (do ótimo “Weekend”).

A primeira cena do piloto sintetiza bem a situação. O protagonista Patrick (Jonathan Groff) se aventura num parque de pegação, vai para o mato com um barbudo, arrepende-se na hora que sente a mão gelada do estranho (que se recusa a beijar ou dizer seu nome) no seu pênis e é salvo pelo toque do telefone. Ele acha que é a mãe – lembrando-o de não ser “um daqueles gays que fazem sexo com estranhos em parques” – mas são os dois amigos, Agustín (Frankie J. Alvarez) e Dom (Murray Bartlett), que o haviam abandonado ali.

Agustín, Dom e Patrick: em trânsito.

Patrick quer ser o gay-doce-do-tipo-pra-casar. Ele até marca um encontro com um médico que conheceu num site de relacionamentos – e que tinha no perfil uma citação de Frank O’Hara, que o protagonista descobriu ser um poeta depois de googlar o nome. Mas Patrick classifica o sujeito de mão gelada da cena inicial como “peludo, mas nada hipster”; refere-se ao ex-namorado que vai se casar como “corpulento”; e desconsidera o latino que flerta com ele no metrô por ser um porteiro aspirante a cabeleireiro – “not my type”. Patrick é mais bitchy e menos donzelo do que pensa.

Mas o encontro com o médico – talvez o melhor momento do episódio – deixa claro que, na verdade, o protagonista não sabe quem é. Na sequência, ele

1. bebe enxuga o copo de vinho
2. diz ter 29 anos
3- e que foi a um parque de pegação no dia anterior (POR QUÊ??????)
4. mas é “mais um cara de namoro”
5. cujo relacionamento mais longo foi de seis meses (uma mentira que Dom desmascara depois)

cinco informações que me fizeram ver que PATRICK SOU EU – só que com olhos azuis e um sorriso mais bonito, o que é ainda pior. Como o latino do metrô diz na melhor frase do episódio, “olhar no mapa faz você parecer perdido”. O problema é que, aos 29, as pessoas não esperam que você ainda esteja olhando no mapa – e esse talvez seja o tema central da série.

Problema que é ainda pior para Dom. Ele é bonito, mas tem 39 anos, o que significa que, mesmo com uma cantada sensacional – “ou a gente pode ir direto para o seu apartamento e eu posso colocar minha energia positiva dentro do seu universo”, segunda melhor frase do episódio – ele já não consegue pegar quem quer. Ou seja, Dom em breve será um gay solteiro de 40 anos, o que significa que as pessoas vão olhar para ele com o mesmo misto de pena e desprezo que reservam às mulheres solteiras de 30 anos. É por isso que, ignorando o conselho da amiga enfermeira, ele liga para o ex psicopata e milionário no final do episódio.

Já Agustín propõe ao namorado Frank (O.T. Fagbenle) que os dois morem juntos – mas de um jeito banal e jocoso, que tenta sufocar o fato de que compromisso é a kriptonita dos relacionamentos gays. Horas depois, eles estão fazendo um ménage à trois com o novo colega de Agustín, assistente de uma artista – numa storyline bem construída, que subverteu todas as expectativas iniciais que criou. Mas que também levantou as velhas questões: é isso mesmo que eles querem? Se querem, estão preparados? A monogamia é mesmo a Atlântida/Eldorado do universo gay? E ela é tão importante assim?

Perguntas que os personagens devem tentar desvendar nos próximos episódios – provavelmente fazendo muita burrada porque ninguém é criado para ser gay, então a gente aprende na prática. E se esse piloto serve de indicação, a jornada deve valer a pena. A direção de Haigh usa os mesmos e belos supercloses de “Weekend”, que tentam mergulhar o espectador na intimidade do que esses personagens realmente são, revelada na tristeza daquilo que eles tentam ser ou dizer. “Looking” tem bem mais rostos e bem menos bundas e pintos do que uma série gay da HBO pode sugerir. E isso é tudo que ela precisava ter.


2 respostas para “Looking 1×01 – Looking for now”

  1. Daniel, obrigado. Assisti ao piloto com meus dois pés atrás. Acho que estava faltando uma série gay, mas tinha medo do “selo” HBO. Talvez por tudo o que você disse no início do texto. Existe uma expectativa baseada no que as pessoas acham que nós somos, e para muitos o sexo descontrolado faz parte do esteriótipo e “cai como uma luva”. Mas ao fim do episódio terminei com um sentimento de reconhecimento (próprio) e identificação (de amigos), mas não convencido sobre a série e o que ela pode construir e desenvolver nos próximos episódios. Acredito que Lena Dunhan foi a grande responsável por todo o meu descredito na trama gay. Girls virou uma “nova” referência de realidade (?!) e para muitos, Looking seria só a versão Gay desse proposta.

    E como bem destacou, Patrick é o típico que se acha o rapaz sério pra casar e se fecha no seu universo “senhor perfeito”, sendo que ele não é. Tá com dor de corno porque o ex vai casar e está desesperado pra viver o mesmo. Além de outras mil coisas que você disse, percebi e queria comentar. Não vou pra não ficar muito grande aqui.

    Mas adianto que após ler essa review, consegui pensar além do primeiro episódio e identificar tudo o que escreveu e admito até que senti certa vontade de ver o próximo episódio.

  2. Obrigado pela leitura e pelos comentários, Silvestre! Realmente “Girls” criou a ideia do retrato de uma geração – e eu sei que é uma imagem com a qual muitos não se identificam. Eu me enxergo muito e tenho me identificado bastante com os personagens de “Looking”. Espero que você esteja assistindo e gostando também.

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