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O gosto amargo do Campari

Festival Campari Rock - Atibaia, 08/04/06

por Braulio Lorentz e Rodrigo Ortega

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No começo do festival realizado no Hotel Fazenda Hípica, na cidade de Atibaia, a 70 quilômetros de São Paulo, recebemos um drink vermelho. Era por conta da casa e tinha a bebida que levava o nome do evento. Estava ali, entre gelos e energético, nossos 300 ml de metáfora. Por mais que o energético tenha tentando salvar o nosso drink, prevaleceu o gosto amargo do Campari. Por mais que as bandas tenham tentado salvar o nosso festival...

O drink foi de graça e o Pílula Pop da mesma forma nada desembolsou com as entradas pro evento. Mas não era bem esse o combinado entre nossa equipe e a produção do Campari Rock. A mesma distância que separa credenciamento de imprensa e cortesia, separa um copo de Campari de uma taça de marguerita (ou de seu drink preferido). As pautas de entrevistas para o site e o programa de rádio, motivo principal da viagem, ficaram em um cantinho da entrada do hotel, junto com os tais drinks.


Da esq.: O fotógrafo sem-noção e os nervosos Ludovics

Performances raivosas

O festival começou com o mesmo sentimento de raiva de quem dá a primeira golada de Campari. O campeão dos gritos foi Jair Naves, vocalista e baixista do Ludovic. Ele se jogou no chão, abandonou o baixo para gritar melhor e admitiu: "Vocês podem estar achando uma bosta, mas hoje é o melhor dia da minha vida". O fotógrafo se empolgou tanto que correu pelo palco como se fosse integrante da banda.


“Será que eles ficaram tão decepcionados quanto o Pílula?â€

"Somos o Montage, electro-punk made in Ceará", anunciou o vocalista Daniel Peixoto, antes de se jogar nas caixas de som em "I wanna fuck u hard". Poucas pessoas presenciaram os gritos de "Vai Daiane / Vai Daniele!", em "Ginastas cariocas". Bom para a banda, que ainda pode descobrir que Daiane dos Santos é gaúcha e mudar o nome da música.


Daniel (no fundo): show dedicado ao astronauta

Mais discretos, igualmente eletrônicos e ainda mais hypados, os mineiros do Digitaria abriram seu show com a divertida "Teen Years", faixa incluída em uma coletânea do selo alemão Gigolo. Daniel Albinati dedicou a apresentação ao astronauta brasileiro Marcos Pontes, que retornou no sábado da sua viagem ao espaço.

Anticontrole

Não foram só os gritos dos vocalistas que ecoaram no hotel. As guitarras também esgoelaram. Os Walverdes mostraram as músicas do seu novo disco, Playback, mais barulhento do que o primeiro, Anticontrole (2001). O público se juntou em frente ao palco pela primeira vez e vibrou especialmente nas músicas já conhecidas, como “Classe média baixa recordsâ€.


A cabeleira de Patrick, baixista dos Walverdes

Músicas conhecidas não foram o forte dos norte-americanos do Mission of Burma, mas as guitarras altas também agradaram. Poucas pessoas, entre elas os integrantes do Ludovic, conheciam as canções, mas as outras esqueceram a vergonha alheia pela camisa com estampa de espermatozóides roxos do guitarrista Roger Miller e ouviram com atenção as músicas dos anos 80 e as do álbum de retorno da banda, Onoffon (2004).


Ele deve ter bebido todas aquelas latinhas ali atrás para vestir a camisa

Todas as bandas se esforçaram nas batidas e palhetadas, mas quem fez as percussões e as seis cordas soarem mais alto foi a Nação Zumbi. As observações são redundantes, pois já vimos shows da banda na casa do Nação, na casa do Campari e na casa do Pílula. No duelo de guitarristas prodígio, Lúcio Maia ganhou de Edgard Scandurra por tocar bem sem falar mal.

Gerações Who

Roda o microfone pelo fio, joga para cima e pega de novo. O truque inventado pelo vocalista do The Who, Roger Daltrey, foi repetido pelos vocalistas do Cachorro Grande, Beto Bruno, e do Ira!, Nasi, provando que os ingleses já têm filhos e netos no Brasil. Os netos canídeos não tocaram “Sinceramenteâ€, apesar de dois motivos fortes: ela é a atual música de trabalho e é muito bonita. Beto Bruno compensou com outros hits e com o trocadilho “Antes do Supegrass, vocês vão ver o Supergrossâ€, anunciando o guitarrista Marcelo Gross, que assumiu os vocais principais na balada “Dia Perfeitoâ€.


Beto Bruno: sem "Sinceramente", mas com "Supergross"

No começo do show do Ira!, Edgar Scandura apontou pra seu pulso e disse: “Olha minhas duas pulseiras! Eu sou VIP pra caralhoâ€. Era o começo do desfile de frases não muito bem escolhidas, como “A vida começa aos 40†e a reclamação pelo fato de terem sido chamados de tiozinhos por algum jornalista. Tiozinho ou sim, Nasi se sentou durante parte da apresentação. Talvez seja uma herança da turnê do álbum acústico. A banda abriu com a boa versão de “Trai in a Vainâ€, do Clash, “Pra ficar comigoâ€. O set foi mais adulto, com “Rubro Zorro†e “Vitrine Viva†e sem “Eu quero sempre maisâ€.


Nasi: sem "Eu quero sempre mais", mas com sentadinha

Road to Ruin

Gaz Coombes não tocou “Alrightâ€, está ficando careca e curtindo canções acústicas. Parece que o vocalista do Supergrass está ficando chato, mas felizmente ele provou o contrário. A banda divertiu o público tocando desde seu primeiro single, “Caught by the fuzzâ€, passando pelas ótimas “Pumping on your stereoâ€, “Movin’†e “Graceâ€, até o single mais recente “Low C†e a faixa-título do último disco, Road to Rouen (2005). “Kiss of Lifeâ€, da coletânea Supegrass is 10 (2004), ficou sacolejante, mesmo em arranjo acústico. Os violões e teclados também embalaram canções de isqueirinho, como “Funniest things†e “Finâ€. Teve até o hino dos fãs, “Strange Onesâ€. O combo de Gaz Coombes fez sua parte para que voltássemos satisfeitos.


O Gaz está mais calminho e ainda é legal

Mas a satisfação durou pouco. Marcos Pontes demorou três horas para voltar do espaço. Não tivemos a mesma sorte do astronauta brasileiro. Em certo momento, percebemos que estávamos espremidos no chão, entre os bancos de um ônibus fretado pela organização do festival. Éramos mais de 50, onde cabiam 40. Diferente do drink e do ingresso, o apertado transporte nos deixou 15 reais mais pobres e 100% mais brabos. Não é só uma questão de dinheiro, nem de dormir em rodoviária, e sim de péssimas condições de trabalho. E de aprender a pedir melhores explicações para a frase: "Consegui credenciar vocês".

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