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Tudo é jazz ao mesmo tempo agora

Festival Tudo é Jazz – Ouro Preto, 21 a 24/09/2006

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por Érika Nonaka

Fotos: Fernando Guerra

Você já foi a Roma e não viu o Papa? Esteve em Barcelona, mas não foi à Igreja da Sagrada Família? Passou por Paris, mas não entrou no museu do Louvre? Se você cometeu uma mancada dessas, saiba que não está só. Aí vai: eu fui a New Orleans e não assisiti a nenhum show de jazz. Naquela época, estava mais interessada em tomar Hurricanes e juntar beads pela Bourbon Street. E o único jazzista que vi foi o do retrato no postal que comprei. Desde então, para compensar, e não morrer de arrependimento, vou aos shows de jazz em Beautiful Horizon e arredores.

Foi no ritmo de uma jam session que passamos o fim de semana em Ouro Preto, no Festival Tudo é Jazz. Na equipe, eu, encarregada de escrever sobre o evento; Guerrinha, de fotógrafo; Carlos como motorista, e Mark, o único que entendia de jazz. Filho de pai americano, já tinha estudado e participado de uma banda nos Estados Unidos.


Sax

Atonal

“Putz, esqueci a câmera!â€, ouvimos a notícia já perto de Ouro Preto. Não me perguntem como o fotógrafo da equipe conseguiu esquecer seu instrumento de trabalho, mas realmente aconteceu. Felizmente, o nosso assessor para assuntos de jazz estava preparado e sua câmera, ainda que simples, teria que quebrar o galho. Até então, a preocupação era com a chuva que não dava trégua e um atraso que nos fez perder Garage à Trois, Francesco Cafiso e Kurt Elling Quartet, entre outros. Com tantos imprevistos, resolvemos sair de cena e parar no sítio do nosso fotógrafo. Um dia melhor viria, mas cheio de shows acontecendo ao mesmo tempo. Teríamos que escolher entre Zach Brock and the Coffee Achievers ou Preservation Hall Jazz Band.

All Stars

Nada contra o experimentalismo, mas optamos pelo garantido. O Preservation Hall é uma banda cinquentona com a maioria dos integrantes ainda mais velhos. Surgiu em Nova Orleans e leva o mesmo nome de uma antiga casa que se tornou o reduto do jazz tradicional, desde que os músicos começaram a tocar no local. O nome também mostra o objetivo maior do grupo: preservar o som original do estado da Louisiana.

O Preservation iniciou os trabalhos pouco depois das oito e, durante toda a apresentação, soube manter a animação do público. A interação era tão grande que muitos se sentiram à vontade para pedir músicas e até jogar beijos. Pessoas de todas as idades acompanhavam refrões cantando e batendo palmas. Em uma delas, John Brunious, trompetista e líder da banda, tentou corrigir o ritmo de nossas batidas, mas o baixista Payton nos defendeu com um “Leave ‘em alone!â€.


Banjo

Jammin’

Lá pelas tantas, passada de mão em mão, chega ao palco uma garrafa de Dreher. Carl Le Blanc, que até então tinha dado duro no banjo, toma com vontade, apesar dos avisos da platéia. Sem seqüelas aparentes, a festa continuou até o momento em que John avisou: “It´s your last chance to dance, get up!â€

A verdade é que ninguém queria que a apresentação terminasse. Os gritos, assovios, palmas e pedidos de bis vinham de todos os lados e, no final, sempre amoleciam John, que tocava mais uma. Alguns integrantes já tinham saído do palco, quando ele nos fez escolher entre: “Do You Know What It Means to Miss New Orleans?†ou “What a Wonderful Worldâ€. A resposta virou pedido: “As duas!â€. Felizmente, fomos atendidos.

Após quase duas horas assistindo à apresentação dos sete músicos, vidrados, colados ao palco, de onde dava para sentir até respingos da limpeza dos instrumentos de sopro, já nos sentíamos mesmo íntimos deles. Em uma conversa descontraída no backstage, John Brunious brincou: “Aqui tem mais ladeiras que São Francisco, cara!â€.

Blowing session

Ao final, descendo a ladeira em direção ao parque Metalúrgico, percebemos que a improvisação tinha dado certo não só no palco, mas também nas fotos. A câmera do Mark, mesmo com poucos recursos, rendeu boas imagens. Ao chegarmos à Sala de Imprensa, percebemos que embora credenciados, não poderíamos entrar no já lotado Salão Diamantina. Em clima de improviso, fomos então para o bar, onde a cada intervalo das apresentações acontecia uma outra em um pequeno palco armado no local.


Palmas

Para nossa surpresa, avistamos em uma mesa comprida do bar os membros do Preservation, desta vez, jantando. “Você tem que tocar um instrumento, cara! Se você é engenheiro ponha um pouco de exatidão na música e deixe-a colocar um pouco de improviso em você!†Foi o conselho do baixista Walter Payton para o nosso motorista, que ficou encantado ao ver a delicadeza daquele sujeito enorme com vozeirão de Louis Armstrong.

Logo, Barbarian e Adams partiram da mesa para uma jam session no palco. E, pela segunda vez na noite, tivemos a oportunidade de assisti-los improvisando com músicos da nossa terrinha, acabando com qualquer remorso dos “assistentes de produção†que haviam comprado ingressos sem necessidade.

Morno

No domingo, o show marcado para quatro horas começou com mais de uma de atraso. Apesar de bela, a apresentação de Danilo Rea Trio não empolgou o público, que desde cedo esperava sentado nos muros, bares e em volta da Igreja do Rosário. Nem mesmo o menino prodígio italiano, Francesco Cafiso, ou melhor, o jazzman, como informou a apresentadora Leila Ferreira, conseguiu atrair a atenção e fazer com que as pessoas se calassem para assistir à sua performance no sax. Para esfriar ainda mais o clima, no meio da apresentação, os respingos viraram temporal. Sem lugar para se proteger, as pessoas foram saindo. Nós também. Afinal de contas, tínhamos uma estrada pra pegar e banho por banho, o Preservation Hall já havia dado na noite anterior.

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