Itabira, 31 de agosto de 2006. Ao fim da sessão de cinema gratuita, ao ar livre, as trezentas pessoas que estavam sentadas se levantam e aplaudem de pé. Outras tantas, com a facilidade de já estarem sem assento, também batem palmas. Na tela estão os créditos do filme que acabara de ser exibido, o curta O Trem do Vale, do diretor Sávio Tarso, documentário filmado em 2003 e que homenageia os 100 anos da Estrada de Ferro Vitória-a-Minas, contando boa parte de sua história.
Na realidade, o público aplaude a si mesmo. Foram eles, seus pais e seus avós que construÃram a história que eles assistiram minutos atrás. No meio da multidão, uma garota chora, acreditando não ser observada. De fato, a chance do pranto passar incólume em meio a tanta gente era bem alta. Mas os organizadores do evento a percebem e querem saber o motivo das lágrimas. Ela explica então que seu avô era um dos entrevistados do filme e que, até ali, ela ignorava o fato. Ele havia falecido há poucos meses. Essa era uma das várias coincidências, emocionantes o bastante para justificar os muitos olhos marejados.

A Estação finca suas bases no interior
Esse foi o espÃrito da “Estação Cinemaâ€, mostra que percorreu, durante os meses de agosto e setembro, seis municÃpios mineiros situados à margem da estrada de ferro filmada por Sávio Tarso. Não houve exibição em que o filme mais emblemático e metalingüÃstico da mostra não ganhasse boa parte dos aplausos. Mas também sobraram palmas para outros curtas e longas que tinham, em comum, apenas um fato: eram todos made in brazil.
Primeira vez
Tudo nas exibições da Estação Cinema tinha ar de debute. As crianças compareciam em peso, boa parte delas inaugurando os olhos para um filme na telona. Havia também gente que, após vários anos, tinha novamente a oportunidade de ver um filme sem intervalos comerciais e em uma tela com muitas polegadas. A própria tela, belÃssima e de última geração, era utilizada pela primeira vez.
O objetivo de levar cinema a locais onde ele não chega com facilidade se cumpria. Em Itabira, cidade que serviu de ponto de partida, os espectadores enfrentaram chuva e frio de 11º C. No segundo municÃpio em que o evento aportou, Antônio Dias, os termômetros marcaram 15º C. Se engana quem pensa que isso foi motivo para que o público fosse minguado.

O cinema vai à praça, e o povo ao cinema
A terceira escala foi para os lados de Coronel Fabriciano e a mobilização em torno da mostra foi tanta que incentivou o governo local a reabrir o cinema da cidade. Coube aos realizadores dar a ótima notÃcia de que o Cine Alvorada, após décadas, seria novamente colocado em funcionamento, agora transformado em Centro Cultural, para receber sessões de cinema, exposições e espetáculos. Vários minutos de aplausos vieram na seqüência do anúncio.
A caravana então rumou para Galiléia. Com a notÃcia do sucesso do evento nas outras cidades, o frisson cresceu. Prefeitura e iniciativa privada se mobilizaram para buscar os habitantes da zona rural, maioria da população galileense.
Cinema x cinema
Os destinos finais foram as cidades de Governador Valadares e Ipatinga. Dos seis municÃpios, eram os únicos que possuÃam salas de cinema comerciais. Iria esse fato, então, afastar os espectadores? A realidade mostrou que não. Além de o público-alvo do evento não ser exatamente os freqüentadores de shoppings, a programação era um atrativo a mais. Nenhum dos filmes exibidos esteve em cartaz nas cidades.

O filme e a molecada disputaram quem conseguia
não piscar. Os dois ganharam.
Na tela estavam as comédias “O Coronel e o Lobisomemâ€â€ e “Tapete Vermelhoâ€, o drama “Brava Gente Brasileiraâ€, além dos premiados “Cinema, Aspirinas e Urubus†(indicado brasileiro para tentar o Oscar) e . Os curtas-metragens apresentados foram “A Velha a Fiar†(de Humberto Mauro), “Françoise†(Rafael Conde), “Uma Jangada Chamada Bruna†(Petrus Cariry), “Rota de Colisão†(Roberval Duarte) e “Quadrilha†(Mariângela Grando), além do já citado “O Trem do Valeâ€. Filmes de qualidade, ignorados pelas salas de cinema mas não pelo público.