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O público que não estava lá (mas apareceu depois)

Mostra Pedra que Brilha, Itabira - 14 a 19 de novembro de 2006

por Mariana Souto
Fotos: Bruno Rocha

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- Alô, Mariana? Quer ir pra Itabira cobrir a Mostra de Cinema Pedra que Brilha?

- A Mostra o quê? Não to sabendo...

- Vê no site www.pedraquebrilha.com.br

- (Nossa, que nome é esse?) Ok!


Sábado, correndo no Espaço Cinemax, em Itabira:


- Oi, moça, quero um ingresso pro Anjos do Sol 19h.

- Não é aqui, não, é lá no Colégio. E é às 19h30.

- Ixi... Ué, mas no site falava que era 19h...

- Pode pegar o ingresso aqui, se quiser.

- Ótimo!

- Ok.

- Ok.

- Humm, cadê o alimento?

- Que alimento? Tinha que trazer alimento?

- Sim, 1 litro de leite de caixinha ou 1kg de macarrão ou 1 litro de óleo.

- Mas no site...



Não se engane: Itabira tem público, sim.

Depois de pegar informações - erradas - para chegar à padaria - fechada - e coordenadas cuja noção de distância era bem diferente das da capital, chego ao local da sessão, de mãos abanando (tava quente também) e cara dura.


- Oh, moço, tinha que trazer alimento? Mas no site...


Após o filme, todas as luzes são para o Cordel.
Que não se acanha nem um pouco.

Imagino que tenham atrasado o filme esperando que mais gente chegasse. Deu certo. Casais, senhores, senhoras, pré-adolescentes... Salão quase lotado. Ao som de Kenny G. (juro), fiquei me perguntando onde estariam os jovens da cidade. Em Belo Horizonte, provavelmente. Mais tarde descobri que boa parte deles se concentrava nos botecos esgoelando “Gaaa-looooâ€. E compareceram ao show do Cordel do Fogo Encantado, após a sessão.

Uma pena que a população de cidades menores não tenha o costume de freqüentar cinema e eventos culturais. Na verdade, isso acontece em todo lugar – nem nas grandes cidades o povo tem esse hábito, mas a população maior das metrópoles aumenta igualmente a minoria interessada em arte. Pura impressão e porcentagem relativizada. Se no interior as vedetes ainda são as exposições de gado com apresentações noturnas de bandas de pop e sertanejo, na capital o que lota são os megashows de pop e sertanejo. Não fossem as apresentações musicais, a “1a mostra Pedra que Brilha†ia passar despercebida pela cidade - como inúmeros eventos culturais de Belo Horizonte.


De xamã e de louco, Liminha e Jim Morrison tem um pouco

O festival surgiu de uma iniciativa interessante para movimentar a pacata Itabira, trazendo as novidades do cinema nacional e procurando desenvolver o turismo, mas infelizmente encontrou obstáculos colocados pela própria população. Outros, entretanto, foram postos pelos próprios produtores com a fraca e tardia divulgação somada à escolha da data coincidente com outro festival, o â€Imagem dos Povosâ€, em Ouro Preto, já em sua segunda edição. Contudo, a seleção dos 22 longas me pareceu bem adequada e a programação, misturando artistas de peso nacional com nomes da própria região, foi interessante. O arremate vinha com o “Projeto Cinema Ensina†oferecendo oficinas para alunos da rede pública e debates.

A tela se acende. Passa a vinheta do festival e dois curtas feitos nas oficinas. Falam um pouco de Drummond, filmam a estátua de Drummond, recitam Drummond. Palmas. As pessoas parecem envolvidas com o longa. Intervalo para o show do Cordel. Através do alto-falante, fico sabendo que “a ilustre atriz Leandra Leal está presente na mostra!â€. Será que isso tem a ver com o fato de ela ser namorada do vocalista da banda que vai se apresentar agora?

Ótimo show, grande presença de palco, um vocalista lisergicamente embalado, público animado. Relativamente cheio, o que parece ter sido o ponto alto da mostra ainda comportaria facilmente o dobro de suas 400 pessoas.

No dia seguinte, andei um pouco, almocei num restaurante lendo os poemas de Drummond no cardápio, passei pela fatídica estátua do escritor e vi uma nostálgica banda de militares tocando na praça. Dessa vez no lugar certo e munida de espaguete, peguei a sessão vespertina. Dez pessoas me fizeram companhia na bonita e nova sala que, como parte de bom cinema antigo, era uma e virou duas menores e mais modernas. Onde estariam os habitantes da cidade para perder exibições gratuitas (leite é baratinho) de bons filmes num domingo à tarde? Para alguns, a bandinha foi mais atrativa. Mas aposto que tantos outros passaram a tarde em casa assistindo TV reclamando de que não há nada para fazer no interior. Provavelmente muitos faziam o mesmo em Belo Horizonte, deixando cinemas e eventos às moscas. Falhas de divulgação e organização, preguiça, preferência disparada de futebol em relação à arte. Enfim, o Brasil precisa dar um jeito em si mesmo.

Para além desses fatores, a cidade ainda parece desacostumada com um evento desse tipo e não o valoriza. Por ser o primeiro e não ter tradição, talvez tenha começado bem. Partindo desse, e com uma divulgação mais eficaz, a “Pedra que Brilha†pode crescer e conquistar relevância tanto no calendário de festividades itabiranas, quanto na agenda cinematográfica mineira. Um município tão agradável - e com uma boa estrutura - deveria desgrudar um pouco das incansáveis referências a Drummond e da necessidade de tornar ilustre qualquer convidado e crescer com as próprias pernas.

Nada contra o poeta ou a atriz. Muito pelo contrário, Drummond é maravilhoso e a garota muito talentosa, mas Itabira deveria buscar sua identidade cultural fomentando cultura, cinema, música e literatura. E não deixando o horizonte limitado por alguns ícones.



Outros textos:

Resenha: Do Luto à Luta, de Evaldo Mocarzel

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