Foi com o pé atrás que entrei no Morumbi para assistir ao show da banda que foi, durante muito tempo, uma de minhas favoritas. Não que eu duvidasse que o Aerosmith fosse capaz de fazer um bom show – só a presença frenética do vocalista Steven Tyler já era garantia de diversão. O que me fazia hesitar era a quase década que separava a adolescente fã de carteirinha da apreciadora desconfiada. Há algum tempo, teria ido ao show por paixão, mas acabei indo por curiosidade e uma simpatia ligeiramente desdenhosa. Desdenhosa porque 1) o Aerosmith é uma banda comercial, 2) que não traz mais novidade ao rock e 3) só veio ao Brasil porque já não “bomba†tanto lá em cima. Enfim, lá fomos eu e meus poréns Morumbi adentro.
Não me lembro ao certo do que aconteceu antes do show principal. Só me recordo de histéricos fãs do Guns n’ Roses, da cabeleira e do chapéu do guitarrista do Guns n’ Roses, umas duas músicas do Guns n’ Roses e um vocalista que não era o do Guns n’ Roses, mas tinha um jeito bem parecido de jogar as pernas pra lá e pra cá. O show do Velvet Revolver fez bastante barulho, mas não convenceu nem quem estava prestando atenção.

Tyler de chapéu
Depois de muita espera, à s 22h50, o Aerosmith sobe ao palco. Eles começam com “Love in the elevatorâ€, emendam com “Toys in the Attic†e seguem com músicas animadas até chegarem em “Falling in Love (is hard on the knees)â€. Como de costume, Tyler e o pedestal de seu microfone fazem questão de coreografar ao pé-da-letra as composições cheias de duplos, triplos e quádruplos sentidos.
Com as caras e bocas (especialmente boca, é claro) de sempre, o vocalista mostrou que ainda existe rebolado. E como existe! O roqueiro quase sexagenário se remexia mais que algumas mocinhas com metade de sua idade. Quem ficou mais próximo ao palco reparou um “me lambe†escrito na barriga de Steven. Admirável o empenho do cantor, que extrapolou o beabá do “o-bri-ga-dô†e quis ir além em seu diálogo com o público.
Menos espalhafatoso que Tyler, Perry encarnava a figurona de bad-boy-não-tão-boy-mas-ainda-bad. O caçula dos Toxic Twins (o outro “gêmeo tóxico†é Steven, obviamente) espancou a guitarra com pedaços de sua blusa de cetim vermelha, jogou-se em cima da bateria e tocou instrumentos pouco convencionais. O mais interessante deles foi o theremin. Joe Perry solava como um mágico, enquanto o público tentava desvendar o truque.

Perry com cabelos ao vento
A banda soube montar um set que dosou bem os sucessos e aquelas que se destacaram pela qualidade. Do lado dos grandes hits, ficaram “Crying e I don’t want to miss a thing†(isso mesmo, a música do filme do fim do mundo, em que a Liv Tyler é filha do Bruce Willis, perde o pai mas ganha um marido). Do lado bom-de-serviço, a dobradinha “Hangman Jury†e “Seasons of Wither†foi, com certeza, a surpresa mais agradável da noite. Na hora em que os dois lados deram-se as mãos e resolveram ser amigos, apareceram “Dream On†e “Walk This Wayâ€.
Em “Dream Onâ€, os poréns lá do primeiro parágrafo já tinham ido para o espaço. Nessa hora, acabei caindo no meio de um mosh inusitado. Era uma disputa entre cara de choro e riso de criança, que brigavam feio por cada centÃmetro no rosto dos fãs emocionados. A briga só acabou quando, 1h40 depois do inÃcio do show, as batidas de “Walk This Way†foram despejadas sobre nós, que parecÃamos muito mais cansados que qualquer um dos integrantes. O quinteto de Boston agradeceu ao público com a energia de quem voltava aos trinta anos e a platéia se despediu com o jeito de quem duvida de um próximo encontro.
No fim da noite, eu já não me importava se os CDs da banda eram feitos no quintal de casa ou nos estúdios mais rentáveis da indústria musical. A fórmula podia ser comercial e repetida, mas eu não podia negar que funcionava. SaÃmos do Morumbi eu e todas as emoções que fazem com que certas músicas se tornem marcantes. E viva a nostalgia.