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Como eu festejei o fracasso do mundo

Rufus Wainwright ao vivo no Freegells Music - BH, 11/05/08

por Daniel Oliveira

Fotos: Daniel Boratto e Matheus Cavalieri

“This next song is very depressing...’cause we live in very depressing timesâ€.

Foi assim que Rufus Wainwright introduziu “Not ready to loveâ€, no seu show em Belo Horizonte no último domingo, 11 de maio. Por deprimente, ele quer dizer que é uma canção com versos como “eu não estou pronto para amar até eu estar pronto para te amar do jeito que você deve ser amadoâ€. E por tempos deprimentes, ele fala de uma época individualista, egoísta, hedonista, em que pessoas mantém relacionamentos como vampiros, sugando tudo o que lhes interessa dos outros. E em que esses relacionamentos fracassam simplesmente porque as pessoas não estão prontas para amar.


Rufus + violão = olhos marejados na platéia.

Rufus foi bem recebido por BH. Um frio que há quase um ano não se sentia por essas bandas abateu-se sobre a cidade desde a manhã, dando um tom cinza, triste e mais apropriado para a passagem do profeta do desencanto. Sarcástico, ele reconheceu o esforço, iniciando o show com “Grey gardensâ€, seguida pelo sorriso forjado de “The maker makesâ€.

E todos os sorrisos da noite seriam falsos, tentativas vãs de dar cor a uma noite fadada ao cinza. Rufus é cruel o bastante para fingir que vai encerrar o show com a upbeat “Cigarettes and chocolate milk†e voltar logo em seguida para marejar os olhos presentes com uma bela performance de “Poses†no bis. Para cada “Sanssouci†(uma canção, segundo ele, ‘brasileira’), cantada enquanto o público da pista ocupava as mesas vazias nas laterais do Freegells Music, existiam lamentos como “Not ready to love†e “Going to a town†na seqüência. A animação ‘argentina’ de “The matinee idol†era destroçada pelo encadeamento da ‘alemã e boring’ “Nobody’s off the hookâ€.

E enquanto Wainwright passeava pelo globo terrestre, revelando nele cantos escuros e cinzentos, cheios de rapazes suspeitos e escapismos baratos, uma parte do cantor parecia também se desvelar para o público. Inseguro, ele gagueja ao apresentar uma nova canção, “Who are you, New York?â€. Brinca que, se a performance de “Hallellujah†não foi perfeita (ela foi), é devido a um mosquito no seu pescoço bem no meio da música. E antes de silenciar um coro que se arriscava durante “California†com a confessional “Wantâ€, explica que a mãe e a irmã não vieram para BH porque a última lançava um CD “daqui a dois ou três diasâ€. Ou simplesmente porque “elas são estúpidasâ€.


Rufus ao piano (tente achar o mosquito).

Piadinhas do tipo se espalharam pela apresentação, dando uma ambigüidade constante e um fingimento sarcástico ao performer Rufus Wainwright. Homem do palco, da noite – que segura um show sozinho, substituindo com a enorme amplitude vocal a banda ausente – o nova-iorquino-canadense sabe o que significa ‘dar um show’. Rufus nunca se revela de verdade. Ele interpreta um personagem que faz do humor um contraponto à tristeza desencantada de suas canções.

Porque quando ele conta que sempre pede às produções dos países que visita uma “coleção de revistas pornôs gays locais para passar o tempo no backstage, um local muito sinistroâ€; ou quando coloca um de seus violões com suporte vermelho-glitter e diz que tira o paletó e o lenço vinho para “parecer mais homem†(e diz isso com a voz de uma garotinha inocente de 16 anos), é tudo uma performance para a platéia rir. Mas, na verdade, a piada não é no Rufus, e sim do Rufus. E na platéia.


Rufus, the one man band.

Enquanto o cantor bate seus pezinhos durante “Gay messiahâ€, mandando “rezar por seus pecadosâ€, ele encena no palco um teatro-cabaré no qual se refugia e tripudia de uma realidade que não está pronta para amar. De um mundo em que as pessoas realmente acreditam que vão para o inferno por fazer amor. De uma época em que a vida é um jogo e amor verdadeiro é um troféu – que poucos ganham. Muito poucos. O próprio Rufus afirma que “se contentará com amorâ€, mas soa como se tivesse quase desistido dele ao encerrar o show com “Foolish love".

E celebra isso, com um sarcasmo inigualado por qualquer outro compositor atual, numa festa deprimente, que as pessoas saem de casa no dia das mães para conferir. Uma festa celebrando a derrocada de uma época. A decadência do ser humano. A morte do amor e o fracasso do mundo. O show de Rufus é isso: um refúgio em que a resistência da arte e a lembrança do que realmente é o amor criam um prisma sob o qual o fracasso do mundo se torna algo poético, ao ponto de merecer ser festejado.

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