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O palhaço que não riu sozinho

Overdose Cavaleiro das trevas

por Renato Silveira*

Fotos: Divulgação

Talvez tenha começado antes e ninguém ficou sabendo. Mas foi em 1999 que os realizadores de “A Bruxa de Blair†chamaram a atenção do mundo com uma campanha de marketing na internet para divulgar o filme bem antes de sua estréia. Nela, um site informava ao público que tudo o que se veria na tela realmente aconteceu.

E não é que muita gente acreditou?

Uma década depois, as campanhas virtuais de filmes cresceram na velocidade com que megabytes passaram a ser transferidos entre servidores e computadores pessoais. Tanto que até ganharam a denominação “viralâ€. Hoje, quase todo grande lançamento conta com seus “sites reaisâ€, derivados de algum elemento do filme em questão – seja um suposto ataque real do monstro de “Cloverfieldâ€, sejam os mistérios em torno da fita maldita de “O Chamadoâ€, seja a nova linha de robôs da megacorporação Buy’ n’Large de “WALL•Eâ€. Vale tudo para transpor a barreira da tela branca em direção à interatividade.


Como dominar o mundo do seu quarto segundo o Batm...a Warner.

O que nos traz, claro, a “Batman – O Cavaleiros das Trevas†– sem questionamentos, o principal filme de super-herói entre os vários programados para 2008. Apostando alto na figura do Coringa (o já saudoso Heath Ledger), a Warner bancou uma campanha viral de proporções inéditas que chegou, inclusive, a transcender o limite da virtualidade. Por todo o mundo, fãs saíram da frente do computador e foram às ruas participar de uma série de jogos. O resultado disso, você confere aí embaixo.

A piada viral

por Renato Silveira

Fotos: Divulgação

Tudo começou em maio de 2007, quando a primeira imagem de Aaron Eckhart como o promotor Harvey Dent foi divulgada na internet. A foto aparecia como uma típica propaganda política no site IBelieveInHarveyDent.com (“Eu Acredito em Harvey Dentâ€). Dias depois, os fãs foram surpreendidos com um segundo site, IBelieveInHarveyDentToo.com (“Eu Também Acredito em Harvey Dentâ€), com a mesma imagem de Dent, mas agora pichada, como se alguém tivesse passado uma caneta marca-texto sobre os olhos e a boca do personagem.

Esse alguém, logo foi descoberto, era o Coringa, que revelou sua macabra face na mesma página, após pedir que os usuários enviassem e-mails para um determinado endereço. A cada acesso recebido pelo site, um pixel da imagem de Ledger como o vilão era mostrado. Bastaram algumas horas para que a aguardada foto fosse desvelada por inteiro.


Why so serious?

Aquela seria apenas a primeira cartada de um jogo brilhante. A cada nova peça publicitária, um novo jogo era proposto. O próximo surgiu no final de julho, no site WhySoSerious.com, que se tornou o ponto de partida para as demais traquinagens do Coringa.

Em sua estréia, foi proposto aos fãs que comparecessem a um determinado local na tradicional feira de quadrinhos Comic-Con de San Diego. Lá, eles encontraram a surpresa preparada pelo estúdio: a exibição, em primeira mão, do teaser do filme. Os internautas seguiram todas as coordenadas dadas pelo site, inclusive maquiando-se como o Coringa. Mais tarde, fotos de cada pessoa que esteve presente na Comic-Con foram disponibilizadas em um site próprio: Rent-A-Clown.com ou "Alugue um Palhaço". E para tornar tudo ainda mais real, o estúdio distribuiu pelas ruas próximas ao evento cédulas falsas de 1 dólar com o rosto de George Washington pichado, exatamente como Harvey Dent no primeiro site.

O longo dia das bruxas

por Renato Silveira

Fotos: Divulgação

O próximo passo se revelou ainda mais ambicioso. Em outubro, aproveitando o Halloween, o WhySoSerious.com passou a apresentar em sua página inicial uma abóbora com uma vela na boca. E não era uma abóbora qualquer: era a mesma que estampava a capa de uma HQ do Batman publicada nos anos 90, na qual a trama do filme é baseada. Até o dia 31 de outubro, Dia das Bruxas, a vela se apagou e a abóbora apodreceu gradativamente. No fim do processo, surgiu uma lista de 49 locais espalhados pelos Estados Unidos. Em cada um, foram encontradas pistas supostamente deixadas pelo Coringa. Quem encontrava, tirava uma foto em frente ao local e a enviava para o site.

No dia seguinte, várias fotos já eram exibidas e cada uma trazia uma letra em destaque, formando a frase "The only sensible way to live in this world is without rules" ("A única forma sensata de viver neste mundo é sem regras"). O prêmio: uma nova foto do Coringa, um novo site, RorysDeathKiss.com, e um novo jogo, no qual os fãs deveriam se maquiar como o Coringa e se auto-fotografarem em frente ao monumento ou edifício mais famoso de suas cidades.


Gary Oldman também participou da brincadeira e ganhou seu exemplar.

Quem participou da brincadeira recebeu em troca alguns brindes pelo correio. No Dia de Ação de Graças, o estúdio enviou aos fãs um kit com cópias do jornal The Gotham Times e as páginas traziam novas pistas para as ações do Coringa. Um anúncio na seção de classificados pedia que "palhaços amadores" em busca de emprego contatassem o e-mail HumanResources@WhySoSerius.com. A resposta recebida apontava para o site TheGothamTimes.com, que por sua vez levava ao site TheHaHaHaTimes.com, que apresentava uma versão anarquizada do jornal de Gotham. Cortesia, claro, do Coringa.

Como salvar Gotham City

por Renato Silveira

Fotos: Divulgação

A partir daí, a campanha tomou dimensões cada vez mais diversificadas. Vários outros sites foram descobertos: o do Banco Nacional de Gotham (GothamNationalBank.com), da Polícia (GothamPolice.com), da Estação Ferroviária (GothamCityRail.com), da Rede Pública de Ensino (GothamUSD.net), entre outros. Todos eles vandalizados com "HA HA HÃ’s" e manchas de sangue - e contendo uma peça de quebra-cabeça com uma letra.

Novos e-mails surgiram com novas pistas e até mesmo um número de telefone, no qual era possível deixar uma mensagem gravada. Na medida em que os fãs decifravam os enigmas, o estúdio fornecia presentes, como o primeiro cartaz do filme e um novo trailer com cenas de verdade, e não apenas o bat-símbolo visto no teaser.

Como ficção e realidade se misturaram o tempo todo durante a campanha, a morte precoce de Heath Ledger em 22 de janeiro de 2008 não pôde passar incólume. Por cerca de um mês, as brincadeiras foram suspensas pelo estúdio e o site WhySoSerious.com passou a exibir uma fita preta, em sinal de luto. O foco da campanha, então, mudou para Harvey Dent e o site IBelieveInHarveyDent.com foi atualizado como palco da campanha política do personagem.

Agora, os fãs deveriam se cadastrar para receber informações sobre "como salvar Gotham City". Uma mensagem em áudio gravada pelo próprio ator Aaron Eckhart, além de modelos de cartazes e faixas prontos para serem impressos, foram disponibilizados na internet e mais sites foram criados para mobilizar novamente o público.


Você acredita no Harvey Dent...queimado?

Foi só quando a poeira em torno da morte de Ledger baixou que o Coringa voltou a tomar conta da rede. Não por coincidência, foi no dia 1º de abril que surgiu o site www.ccfabg.org, uma organização de "cidadãos preocupados com Gotham". Esse mesmo site havia distribuído pelas ruas broches com uma foto de Harvey Dent parcialmente queimada – dando a dica de sua transformação no vilão Duas Caras que, como todo fã sabe, é provocada pelo Coringa.

Tudo acaba em pizza (e ingressos)

por Renato Silveira

Fotos: Divulgação

Com o vilão novamente à solta, mais e mais novidades surgiram na web: um noticiário foi ao ar (GothamCableNews.com); e até mesmo pizzas foram entregues às primeiras pessoas que se cadastraram em um dos novos game-sites criados (GothamCityPizzeria.com). Mas talvez a melhor participação do Coringa na divulgação de "Batman - O Cavaleiro das Trevas" se deu justamente no YouTube, plataforma de marketing viral de muitos produtos.

No final de abril, quando foi lançado mais um trailer do filme, alguém filmou a prévia de dentro de um cinema com um celular e a colocou na internet. Utilizando a mesma "técnica", o estúdio bolou uma versão totalmente subversiva da prévia, como se o Coringa tivesse rabiscado o negativo. E a colocou no YouTube, também como se alguém a tivesse filmado com um celular. A criatura finalmente se libertava do criador, num exercício metalingüístico genial - que só mesmo o Coringa seria capaz de criar.

Até a semana que antecedeu a estréia mundial do filme, a campanha foi além e distribuiu celulares em diversas cidades de diversos países (inclusive no Brasil). Os aparelhos recebiam ligações de tempos em tempos com mensagens gravadas relacionadas ao longa. Num primeiro momento, o tenente Jim Gordon pedia informações que pudessem levar à captura do Coringa. Mais recentemente, ouviu-se alguém feito refém dentro de um banco pedir socorro - banco este, vejam só, que aparece sendo assaltado logo no início do filme. A risada macabra ao fundo não deixa dúvidas.

Se a proposta do diretor-roteirista Christopher Nolan com sua reinvenção do Homem-Morcego era responder: “E se o Batman existisse no nosso mundo...?â€, bom, o recado já está mais do que dado.

P.s.: Todos os sites criados para a campanha viral agora podem ser encontrados no site principal, WhySoSerious.com. O último deles levou os fãs mais rápidos a uma página que dava ingressos grátis para a pré-estréia do filme nas salas IMAX nos EUA, em 15 de julho. Desnecessário dizer que todos se esgotaram rapidamente.

* Renato Silveira é editor do Cinema em Cena (www.cinemaemcena.com.br) e escreve no Cinematório (www.cinematorio.com.br)

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