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Overdose GĂȘnero: ViolĂȘncia

Diante da dor dos outros

por Renné França

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“NinguĂ©m que se tenha dedicado a pensar a histĂłria e a polĂ­tica pode permanecer alheio ao enorme papel que a violĂȘncia sempre desempenhou nos negĂłcios humanos”.
Hannah Arendt

Foi no final do sĂ©culo XVIII que gravuristas franceses se dedicaram a retratar os guilhotinados, dando ĂȘnfase Ă s cabeças separadas dos corpos. O “Terror”, como o perĂ­odo passou para a HistĂłria, levou Ă  execução pĂșblica aqueles que se opunham ao governo pĂłs-Revolução Francesa, oferecendo ao povo um banho de sangue em nome do novo regime. Na mesma Ă©poca e na mesma França, Donatien Alphonse François era perseguido pelos revolucionĂĄrios, assim como fora pela antiga monarquia e ainda viria a ser perseguido pelo imperador NapoleĂŁo Bonaparte. Mais conhecido como MarquĂȘs de Sade, seus textos repletos de pornografia e violĂȘncia chocaram a ponto de seu nome se transformar em adjetivo: sĂĄdico.

A ironia em se sentir violentado por obras ficcionais, ao mesmo tempo em que se assiste passivamente a guilhotinadas pĂșblicas, nĂŁo estĂĄ tĂŁo longe no tempo. As gravuras das cabeças decepadas e os contos de Sade podiam chocar mais do que o espetĂĄculo de sangue do “Terror”? Podiam. E podem.

A representação do violento causa sempre um misto de atração e repulsĂŁo. A ĂȘnfase dos gravuristas nas cabeças cortadas nĂŁo Ă© por acaso: trata-se da parte do corpo que nos permite perceber as agonias do ser humano. AtĂ© hoje, para deixar clara a dor, os enquadramentos permanecem nos rostos. Olhos, sobrancelhas, boca... EstĂĄ ali o melhor retrato do sofrimento.

NĂŁo hĂĄ um consenso entre os estudos da ĂĄrea sobre o que produz a violĂȘncia, quais suas causas. Alguns dirĂŁo que Ă© da prĂłpria natureza humana, outros apontarĂŁo uma deformação em estruturas sociais e psicolĂłgicas. Mas violĂȘncia costuma ser comumente associada Ă  ausĂȘncia de diĂĄlogo e a uma expressĂŁo de poder. É a negação do discurso, da comunicação. Tyler Durden, o guru da pĂłs-modernidade de “Clube da Luta”, coloca em termos mais claros: somos seres fechados em nĂłs mesmos. E na ausĂȘncia do debate de idĂ©ias, a violĂȘncia. Baixar a guarda e se deixar atingir, sentindo-se vivo pela dor e pelo gosto do sangue na boca, Ă© sua proposta para nos tornarmos novamente humanos.

A violĂȘncia na mĂ­dia sempre teve seu papel, seja para impor o medo, fazer pensar ou somente provocar enjĂŽos. Recentemente, uma sĂ©rie de filmes vem transformando a violĂȘncia em um gĂȘnero cinematogrĂĄfico e “ViolĂȘncia Gratuita” Ă© o exemplo crĂ­tico dessa retĂłrica que parte de imagens chocantes. Imagens que nos atormentam apenas durante aquelas duas horas – seguras - no sofĂĄ de casa ou na cadeira do cinema. Porque, por mais violentos que sejam, esses filmes sĂŁo, antes de tudo, entretenimento. Diante da dor dos outros, sofremos uma catarse coletiva que nos faz valorizar a vida, pensar no mundo e, em seguida, esquecer.

Mas existem “estilos” diferentes na maneira de retratar o sangue, a dor e o desespero no cinema - e o PĂ­lula Pop resolveu dar uma passada pelos mais exponenciais dentre eles. Lembrando que a divisĂŁo aqui Ă© apenas para fins explicativos, uma vez que os filmes podem ter misturas e variaçÔes de um mesmo estilo (onde enquadrar Scorsese, por exemplo?). Para quem nĂŁo tiver estĂŽmago fraco, seguem alguns ‘clĂĄssicos’ abaixo.

Got blood?

ViolĂȘncia sugerida

por

Fotos:

Nesse caso, imaginamos mais do que vemos. Ou porque a cĂąmera se afasta, ou porque sĂł hĂĄ silhuetas na tela ou atĂ© porque o que interessa Ă© a expressĂŁo de dor dos personagens. É comum tambĂ©m o corte antes que o ato em si seja finalizado, deixando ao pĂșblico a nada agradĂĄvel tarefa de construir mentalmente o restante dos fatos. A sugestĂŁo pode ser muito mais assustadora do que o sangue que espirra na tela.

Para virar o rosto: em meio a tantas cenas clĂĄssicas, “Laranja MecĂąnica” tem uma das melhores definiçÔes de violĂȘncia sugerida, quando Alex e seus “druguis” encontram um mendigo bĂȘbado.

ViolĂȘncia explĂ­cita

por

Fotos:

Aqui o que vale Ă© o sangue nu e cru saindo direto da veia. O objetivo Ă© sentir mais do que pensar ou imaginar. Os exemplos vĂŁo dos closes nas cenas de tortura de “O Albergue” atĂ© a luta na sauna de “Senhores do Crime”. Mas talvez nĂŁo haja uma cena mais brutal do que aquela do extintor de incĂȘndio usado para destruir o rosto do estuprador da personagem de Monica Bellucci em “IrreversĂ­vel”. Como nĂŁo queremos provocar pesadelos em ninguĂ©m, fiquemos aqui com o sangue e os dentes cuspidos de “Clube da Luta”.

Para virar o rosto: O Narrador mói a cara de Jared Leto sob o olhar atento de Tyler Durden. Ou seria o contrário? “I felt like destroyng something beautiful”.

ViolĂȘncia catĂĄrtica

por

Fotos:

O personagem, apĂłs comer o pĂŁo que o diabo amassou, parte para sua vingança. Os ossos quebrados e o sangue escorrendo sĂŁo aqui a glĂłria para a platĂ©ia, que esperava ansiosa ter todo seu sofrimento extravasado na dor dos vilĂ”es. Um dos melhores exemplos Ă© “Dogville” e seu final catĂĄrtico para Grace, a cidade e todo mundo que vĂȘ o filme. Mas ficaremos aqui com “Oldboy” e a deliciosamente sĂĄdica vingança de um homem preso por 15 anos sem saber o motivo.

Para virar o rosto: Com um martelo na mão e uma faca enfiada nas costas, Oh Dae-Su redefine a função de um corredor.

ViolĂȘncia grĂĄfica

por

Fotos:

“O sangue Ă© apenas mais uma cor”, diria Quentin Tarantino em meados dos anos 90. Aqui o sangue jorrado Ă© tĂŁo bonito quanto um cenĂĄrio cuidadosamente escolhido, muito bem fotografado, criando um tipo de atração estĂ©tica com cores fortes e trilha rock’n’roll. Qualquer Tarantino entra na lista, incluindo seu enteado “Sin City”, mas Ă© difĂ­cil superar a beleza das cabeças e braços decepados em cĂąmera lenta de “300”.

Para virar o rosto: Quando o exĂ©rcito persa resolveu enfrentar LeĂŽnidas, nĂŁo contava com tantas lanças e espadas tĂŁo bem afiadas. “Let’s give them something to drink!”

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