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Inauguração do Cine Paragem, 22 e 23 de fevereiro de 2006

O cinema livre na cabine de Pedro

por Rodrigo Campanella

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Não começou quando todos aguardavam no hall de entrada do cinema, não começou quando o início da visita técnica às cabines foi anunciado, não começou quando subíamos a escada espiralada que levava ao corredor lá no alto. Começou apenas quando ele começou a falar para os vinte e poucos jornalistas que se espremiam num canto que seria confortável para umas cinco pessoas.

No corredor extenso, estávamos parados na primeira cabine de projeção do até então não-inaugurado Usiminas Paragem Cinema, no shopping de mesmo nome do bairro Buritis. Ao lado de uma grande caixa prateada com mais da metade da altura da sala inclinada sobre um suporte, ele explicava: “Essa é a primeira sala no Brasil que tem todos os suportes de exibição. 32 milímetros, 16 milímetros, digital via satélite, intranet ou discoâ€. Emocionado e satisfeito, atropelando algumas palavras, quem nos explicava tudo isso era Pedro Olivotto, diretor da recém-criada Embracine, Empresa Brasileira de Cinema.

Olivotto já era diretor dos Cinemas Belas-Artes e do Cinema Jardim, ambos em Belo Horizonte. Naquele dia, enquanto nos apresentava as cinco novas salas de BH, anunciava também a fundação da Embracine e o início da parceria com a empresa de siderurgia Usiminas. A intimidade entre as novidades seria repisada diversas vezes na pequena entrevista que viria logo depois.

Enquanto nos levava pelo grande corredor para mostrar também as outras cabines, Olivotto explicava: “A intenção de um espaço tão bem-equipado como esse vai muito além de simplesmente exibir filmesâ€. Enquanto ele falava, pequenos monitores computadorizados ligados aos projetores exibiam suas primeiras imagens. “Esse será principalmente um espaço de formação de técnicos em luz e som – algo que não existe no Brasil. Hoje em dia tudo é feito com base na tradição, sem teoria. Aqui terá início o primeiro curso de formação técnica para essa categoriaâ€. Quando começam as inscrições? “Daqui a três semanas â€, o que cai em aproximadamente 15 de março. Custo? “Não vai ser gratuito, mas vai ser um preço simbólico. Achamos que isso é importante para que as pessoas se comprometam com o cursoâ€.

Ao explicar a parceria entre a empresa e Embracine, Olivotto falou em ‘casamento’, diante do olhar espantado da coordenadora do Instituto Cultural Usiminas, Eliane Parreiras. “É uma relação tão íntima e cheia de concessões que só dá pra falar em casamentoâ€, ele explicava. Logo, ela própria usaria o termo falando da parceria, que abrange o patrocínio ao Belas-Artes (agora, Usiminas Belas Artes Cinema) e possibilitou a construção do Paragem. O novo cinema foi o primeiro no Brasil aprovado pela Agência Nacional de Cinema (Ancine), através da Lei de Incentivo ao Audiovisual, com gasto em torno de R$ 5 milhões. Suas cinco salas somam no total 687 poltronas.

O Paragem é um shopping de bairro, com cerca de 50 lojas e sem pretensões de se tornar centro comercial para toda Belo Horizonte. Além disso, tem a praça de entrada aberta para a rua, ligada diretamente à escada rolante que leva ao cinema no segundo andar. Com isso, as salas tem alguma sensação de ‘cinema de rua’, apesar da entrada e do hall do Cine Paragem terem a estética clean sóbria e um tanto fria que parece ser o cartão de visita dos shoppings.

A idéia de resgatar os cinemas de bairro fez parte do projeto do novo cinema. Antigamente espalhados pela cidade, os cinemas foram empurrados para o centro de BH e para os shoppings, forçando as velhas salas a fecharem as portas e virarem, grande parte das vezes, igrejas evangélicas.

Ao apresentar as salas do cinema, o cinféfilo mostrou que continua intacto dentro do diretor de cinemas. Olivotto fez questão de falar das cadeiras da primeira fila, o conhecido ‘gargarejo’. “Nós sabemos da dificuldade de quem senta aqui na frente, a dor no pescoço, então os encostos do gargarejo são reclináveisâ€, explicava.


A sala 1 do Cine Paragem e suas poltronas importadas made in Mexico

O encontro (indispensável) entre negócio e cinefilia entra também na escolha da programação do Paragem. “Aqui não vai ter filme para público A, B, C ou D. Vamos ter uma programação geograficamente vertical.†De acordo com o projeto, filmes autorais e lançamentos (“de qualidadeâ€) de Hollywood vão dividir as salas com cinema latino, asiático e, especialmente, o brasileiro.

“É importante que o cinema autoral conviva com o comercial. Do contrário surgem os guetos. E muitas vezes um espectador de cinema autoral só não vai ver um bom filme comercial por preconceito e um fã do comercial não assiste o autoral por falta de ofertaâ€, completa o diretor da Embracine. “E Xuxa?â€, pergunta um repórter a queima-roupa. “Não entra aqui. Tem que existir respeito por esses filmes porque eles tem seu público, mas não fazem parte da nossa identidade. Agora, tudo que faz parte do cinema e do imaginário brasileiro terão lugar aqui sim. Tanto do autoral quanto do comercialâ€.

No dia seguinte, à noite, o hall acendia pela primeira vez suas luzes para receber a primeira leva de público. Convidados circulavam pelo espaço tomado de gente esperando o início das sessões: cinco pré-estréias de filmes nacionais inéditos em BH. Antes de colocar os projetores em funcionamento, os discursos de praxe.

Olivotto, smoking preto riscado de giz branco subiu ao microfone. Feliz, mas até mais calmo que no dia anterior, apresentou os diretores de três dos filmes exibidos, também presentes, entre eles Carlos Reichenbach. “O Beto Brant também vem, mas vocês sabem como é, ele nunca atrasa uma hora para chegar. Logo então ele deve aparecerâ€. Dito e feito, logo Brant chegava por detrás do telão para se juntar aos outros. Olivotto ainda pediu silêncio em homenagem ao ator mineiro Guará Rodrigues, falecido dois dias antes.

As sessões iam começar. No dia seguinte, o cinema estaria aberto ao público. Eu já havia escolhido o filme de antemão, Bens Confiscados de Reichenbach, na sala 3. No meu celular, o único perfil personalizado tinha o título de ‘cinema’, e impunha silêncio absoluto ao aparelho. Pensando nisso e em tudo que eu havia visto e ouvido nos últimos dois dias, tive a certeza de que estava no lugar certo.

Usiminas Paragem Cinema
Av. Mário Werneck, 1.360 – Buritis -3378-0216

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