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Quase mortos por tesão

Fórum Social Musical - ouvindo Porto Alegre

por Pedro Marra

Fotos: Pedro Marra

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Domingo, 30 de Janeiro, quinto dia de nossa estadia em Porto Alegre. A programação era cheia – encontrar cedo no cais do porto para gravações no centro de PoA, entrevista com Frank Jorge antes do almoço, caminhada até o Parque da Redenção para mais gravações, almoçar na Lancheria do Parque, caminhar e gravar na Feira de Antiguidades do Brique. Às 17h já estávamos os três de volta ao motel para descansar. Afinal, o dia ainda tinha bastante pela frente: Show de Júpiter Maçã, Arnaldo Baptista e mais uma penca de bandas riograndenses.

O evento aconteceu no Galpão do IBGE - um quintalzão atrás da sede do instituto na cidade, com uma casa onde se realizavam as apresentações, nas proximidades do Acampamento da Juventude do Fórum Social Mundial. A intenção talvez fosse a de atrair esse público de fora de PoA ao evento. Afinal, Arnaldo Baptista poderia atrair vários dos hippies acampados a menos de 500 metros do local. Mas, estranhamente, o que se via eram sobretudo porto-alegrenses. Kid Vinil era o responsável pela discotecagem da festa e promoveu sua tradicional e divertida saudável bagaceira – de Strokes a Bowie passando por Pixies e congêneres.

A primeira banda, Suco Elétrico, tem músicos competentes, mas infelizmente, ao que parecia, bastante influenciados pelos Mutantes da fase do disco O A e o Z, já sem Rita Lee, e onde encontramos algumas das viagens mais erradas de Arnaldo Baptista. Em seguida, foi a vez do Baladas do Bom Fim entrar no palco. Esta é uma das bandas de Egisto 2, promotor da festa e produtor de Júpiter na época do A Sétima Efervecência. Um hard rock tocado quase de maneira punk. Nada de muito especial, mas ao mesmo tempo, muito mais divertido que o Suco Elétrico.

Nas pausas entre um show e outro, Egisto promovia leilão de camisas pintadas por aquele que parecia ser o homem da noite: Arnaldo Baptista. Eram camisas tipo Hering, mas com silcagem em estilo psicodélico, pintadas pelo líder dos Mutantes. Eficiente como condutor dos leilões, Egisto conseguiu preços entre 25 e 50 reais, bastante salgados para as peças. Na terceira apresentação da noite, a primeira surpresa musical: o Pata de Elefante. Tocando rock instrumental bastante vigoroso e influenciado principalmente por the Who, Jimi Hendrix, Funkadelic e outras 60’s, o power trio se converteu em uma das melhores apresentações da noite. Ao final, eu, Rafael e Milene chegamos ao veredicto: Claudão (n.do e.: dono da casa de shows A Obra, em BH) tem que trazer esses caras para o próximo campeonato mineiro de Surf Music.

Finadas algumas pequenas apresentações acústicas, mais Kid Vinil e finalmente anuncia-se: é hora de Arnaldo Baptista. O público entra em frenesi. Todos se amontoam na frente do palco. Escoltado por seguranças que abriam caminho na multidão, Arnaldo leva quase um minuto para atravessar 20 metros e subir ao palco. Loucas, as pessoas sobem no palco. Arnaldo senta-se ao teclado e apresenta um pot-pourri de canções, incluindo a Balada do Louco e Lóki. Mas parecia assustado (e perturbado) demais para encarar o público que tinha reações quase histéricas à sua presença. Em cinco minutos Arnaldo termina a apresentação e se retira, novamente escoltado pelos seguranças. A multidão segue atrás.


Arnaldo ao piano e John durante a produção do disco Let it Bed

Depois de outras apresentações e pequenos sets acústicos, não demora a começar o show do Júpiter Maçã. A expectativa era enorme, principalmente porque eu e o Rafael nos lembrávamos da apresentação na Obra, no ano anterior – Milene cometeu o pecado mortal de não comparecer aquele dia. Júpiter pintara o cabelo de vermelho quase laranja e usava gravata borboleta. Thalita estava vestida de gnomo. A banda era a mesma que veio a Belo Horizonte – Astronauta Pingüim nos teclados, Ray Z na guitarra e, se não me engano, Glauco na bateria.

A banda sobe ao palco. Júpiter conta o tempo e começa A marchinha psicótica de Dr. Soup. Execução impecável. Júpiter canta com olhar catatônico, para a frente, como se fosse ele o própiro Dr. Soup. Ray Z, em seguida, puxa o riff de introdução de Querida Superhist x Mr. Frog, que, aqui tocada um pouco mais acelerada, toma ares de hino. O melhor acontece nos versos sobre cheeseburguers e hot-dogs. Primeiro eles desaceleram e, logo em seguida, na pergunta sobre Quem é Mr.Frog, a bateria toma dimensões tribais, marcando o ritmo com perfeição, enquanto os outros instrumentos texturizam a canção. Neste momento, Júpiter começa a mostrar sua presença incendiária. O show continua com Síndrome de Pânico, e logo em seguida, Mr. Maçã anuncia “A francesíssima Mademoiselle Marchandâ€. Das 3 canções disponibilizadas na Internet, essa era a que menos gostava. Impressão imediatamente mudada após sua execução.

Continuando de forma mais ensandecida ainda, é a vez de Pictures and Paintings. Mais uma música agitada e alta. O toque inesperado é dado no refrão, quando a banda diminui o ritmo, e no final, quando a música simplesmente não termina e se inicia o que até o momento era a melhor parte da apresentação. Júpiter e o baterista seguram o andamento, Astronauta Pingüim marca o ritmo com clusters – quando o instrumentista golpeia uma série de notas seguidas no teclado com os punhos ou braços – enquanto Ray Z liga os pedais de distorção e delay, e produz ruídos de filmes de ficção científica, aproveitando o feedback produzido pelo pedal de ganho e brincando com os controles do delay. O mais inesperado acontece quando Júpiter, no meio da performance, conta até 4 e inicia a execução de Minisaia sem Calcinha.

É a glória. Escutar Cascavelletes tocado pelo próprio Flávio Basso era o que menos esperava. A surpresa só foi maior quando os músicos emendam Morte por Tesão. As duas são acompanhadas por performances ainda mais loucas, o que só comprova que o antigo adolescente porra-louquinha só poderia se transformar em Júpiter quando mais velho. Após o solo de Morte por Tesão, uma certa canção chamada Zero é executada, para Júpiter voltar aos berros, como na gravação do antigo vinil, a cantar: “eu queria ser um vampiro / pra chupar o sangue da gatinhaâ€. Após a impressionante performance, é anunciada “aquela que já é um clássicoâ€, Lugar do Caralho. O show termina, o público nem espera e, extasiado, pede bis. A banda não abandona o palco e recomeça a tocar.


Júpiter com seus óculos vermelhos psicodélicos

Com um ritmo super marcado e textura dos instrumentos semelhante aos das músicas mais dançantes da fase Iggy Pop/David Bowie/Brian Eno em finais da década de 60, Júpiter começa a cantarolar “Ehehehehehehehâ€. A canção não é reconhecível, somente o ambiente a que somos remetidos: algum escuro clube de Berlim entre 1976-78. Até que Maçã começa a cantar a letra da música, sílaba por sílaba, cada uma pronunciada sobre cada pulsação do ritmo. Era The Freeking Alice, aquela mesma sobre experiências com ácido e chá de cogumelo, sob o ponto de vista do próprio fungo alucinógeno.

Mas as texturas e ritmo da música remetem a outra droga, menos sensória, mais carnal e sexual. Em boa hora, diga-se de passagem, pois a próxima música a ser executada é Essência Interior – aquela sobre a perfeita interligação sexual entre um cara e sua garota. Tanta ligação que, enquanto ela o trai, ele se masturba do outro lado da cidade.

Começando com a guitarra tocada de trás para frente, a banda entra e Júpiter canta a canção. O público está hipnotizado, ainda mais quando, depois de cantar toda a letra da música pela primeira vez, Júpiter se vira para trás, caminha em direção ao amplificador de baixo e o posiciona estrategicamente em frente ao falante produzindo microfonia texturizada pelo pedal de modulação pelo qual passava o baixo. Ao voltar da seção ruído, toda a banda toca mais baixo e o público canta junto os versos sobre traição e masturbação.

O show termina e vamos para o motel extasiados. A sensação é a de que nunca mais existirão experiências musicais como aquela. Valeu a pena a espera, os shows não tão bons, a pena sentida por ver o estado de loucura de Arnaldo Baptista. Aquele foi o grande show da noite. Quase morremos por tesão.

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