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11 de outubro – Bootleg

9 da manhã

por Rodrigo Campanella

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O guri pega o cd, o nome escrito da banda mesmo no prateado de cima, uma data no canto. Puxa a bandeja cd/dvd do computador, ajusta o volume no iconezinho do alto-falante, acerta o volume novamente na caixa e então aperta a seta do play. A música sai em meio a um chiado de fundo e aos gritos e gemidos de gente naquela platéia que ele apenas imagina, ruídos às vezes mais fortes que o som dos instrumentos, mas petrificado na frente do computador o guri vibra. Aquele show da banda preferida ainda não caiu no e-mule, ninguém colocou no bit torrent e pouca gente sabe onde arrumar o cd. Mas ele está aqui, ouvindo.

Eu fico pensando que deve ser uma sensação dessas que “O Lago do Demônioâ€, do japonês Takashi Miike, desperta nos fãs do diretor. Miike, reconhecido mundo afora, já fez de mais de quarenta filmes mas é praticamente um desconhecido no Brasil e só tem lançado no país seu episódio de tv para a série “Mestres do Terrorâ€. “Lago do Demônioâ€, exibido em dvd no Indie na pequena sala 3, nem chegou a dar sala lotada.

E você sabe que está no Indie quando a descrição do catálogo “Takashi Miike filmou e dirigiu a obra teatral†significa literalmente que você vai ver a filmagem de uma peça de teatro dirigida por Miike. Dito isso, fica claro porque não dá para avaliar “O Lago†como um filme: é teatro filmado e, por mais que Miike faça uma montagem usando planos variados, só em raríssimos momentos a sensação de ver teatro encaixotado numa tela desaparece.

Porque o que a tela apresenta é isso: Miike posicionou câmeras digitais em volta do palco e filmou uma apresentação da peça “a quenteâ€, ou seja, com público. Tosses e risos são ouvidos no fundo (fica a dúvida: a platéia não é vista, será uma montagem de som?). Só que ao simplesmente “filmar a peçaâ€, Miike esquece que teatro e vídeo são um casamento difícil.

Ao usar somente a iluminação do teatro, ainda mais com câmeras digitais, as imagens ficam lavadas, sem cor. Ao filmar de perto a atuação dos atores num palco de teatro (e novamente com a artificialidade que o digital às vezes gera), os gestos parecem apenas exagerados, sem sutilezas. Ao usar a imagem bruta do digital (com definição máxima, sem filtros ou texturas), a obra acaba perdendo o encanto e fica parecendo um filme “documentando†uma peça, gravado por cinco amigos da platéia. A fantasia da história, potencialmente bela, é limada pelas imagens secas, sem espaço para ilusão ou abstração.

Não ajuda nem um pouco também a grande quantidade de diálogos, ainda legendados em português usando como base a legendagem em inglês, que costuma reduzir bons diálogos a frases senso comum.

E, com todos esses problemas, a peça ainda é capaz de marcar a história na sua cabeça, tanto pela criação visual do diretor para cada personagem quanto por algumas cenas – o desabafo da Deusa do Dragão, a tentativa de levar Yuri para o sacrifício. Assistindo em vídeo, fica claro que no teatro deve fazer muito mais sentido.

E é interessante, muito interessante poder ver esse “Lago†na tela grande, até para poder pensar claramente diferenças entre teatro filmado e teatro transformado em filme, limitações do equipamento com que se filma, “linguagens†que são difíceis de casar. E, claro, para deixar aquele(s) garoto(s) lá do primeiro parágrafo rachando de felicidade.

Se nem todas as imagens são boas de se ver (no sentido do incômodo ou no sentido do prazer), é crucial poder ter acesso a todas elas, nem que for o caso de sair na metade. Eu fiquei até o fim, mas acho que a peça de Miike deve ser bem mais razoável em dvd, para ver no sofá de casa numa tarde vazia.

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