Donas sem casa desesperadas

06.06.06

por Priscila Kallfelz

Dia de festa (Brasil, 2006) Direção: Toni Venturi e Pablo Georgieff Princípio Ativo: ausência de imparcialidade do diretor

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São Paulo tem mais de um milhão de pessoas morando em mais de suas duas mil favelas. São mais de 8.700 morando embaixo de viadutos e pontes. Na mesma capital, 400 mil imóveis estão abandonados. Desabitados. Sem utilidade.

Isso poderia ser o início de uma propaganda qualquer de um candidato qualquer na disputa por uma presidência qualquer, que logo em seguida entraria com seu discurso patriótico e populista, em tom eloqüente, na tentativa de ganhar mais votos. Mas o produto aqui apresentado é mais verídico. Parcial, totalmente parcial, já que coloca o peso na balança que sempre pende para um outro lado, o das grandes mídias. Mas verídico. Verídico porque verdades como as apresentadas ali não são inventadas - são vividas, por mais recortes e maquiagem que tragam em si.

Tudo começou quando o cineasta Toni Venturi (diretor de Cabra-Cega) foi convidado pelo franco-argentino Pablo Georgieff, arquiteto que conviveu dois meses com os sem-teto na metrópole em busca de soluções de moradia popular, para registrar a experiência em formato documental. É quando entram em cena Neti, Silmara, Janaína e Ednalva, coordenadoras do MSTC, Frente de Luta por Moradias do Centro de SP, e as principais organizadoras do tal Dia de Festa - metáfora usada pelos integrantes do movimento (os "convidados") para designar o dia em que uma área ou imóvel inutilizado é ocupado.

O Dia de Festa documentado foi uma noite de outubro de 2004, em que o grupo se organiza – e muito bem, deveria dar cursos em sindicatos – para a invasão de sete áreas abandonadas no centro da capital paulista. Festa sem bebida, com pouca comida, frio e muitas horas de aflição.

A ação? Fica por conta da invasão dos locais e do confronto com a Polícia Militar. O drama? Nos depoimentos das quatro coordenadoras. Mulheres, mães solteiras ou não, jovens ou adultas, cada uma com seus sonhos, suas conquistas, tentativas, recomeços e novos recomeços. O suspense? Paira o tempo todo para sabermos o final (antes fosse o final) da história e o que acontece com cada local tomado.

A comédia? Fica por conta do humor negro. A mais nova das coordenadoras, em um momento de desabafo, contemplando a vista do alto de um prédio, diz que só queria na vida um som e um guarda-roupa. Eu não. Escrevo este texto ouvindo música no computador e com roupas espalhadas pelo quarto por não caberem no meu segundo guarda-roupa. Não preciso querer.

Dia de Festa: filme, novela ou documentário? Se achar motivo, comemore.

Elas não têm casa para serem donas. Mas são, sim, muito desesperadas.

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