Tudo sobre meu pai. Ou minha mãe. Ou meu pãe.
06.09.06
por Daniel Oliveira
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Transamérica
(Transamerica, EUA, 2005)
Dir.: Duncan Tucker
Elenco: Felicity Huffman, Kevin Zegers, Fionnula Flanagan, Elizabeth Peña, Graham Greene, Burt Young, Carrie Preston
Princípio Ativo: solos de Huffman + um Almodóvar wannabe
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“Você queria que eu fosse zoólogo, mas eu sou um garoto de programa. Tudo bem, você é meu pai e eu queria que você fosse homem, mas você é uma mulherâ€.
Essas são as linhas não-ditas na seqüência final de “Transaméricaâ€. Em um mundo perfeito, esse libelo da aceitação pós-moderna aconteceria logo que a protagonista e seu filho se encontram. Mas o mundo não é perfeito. Ele tem um grande problema: gente, cheia de preconceitos e que complica tudo.
É por isso que Bree (Felicity Huffman) e Toby (Kevin Zegers, que faz bem seu papel: não estragar os solos de Huffman) têm que atravessar os EUA para aceitarem um ao outro – e, em última instância, a si mesmos. Ela é um transexual prestes a realizar a cirurgia de troca de sexo. O longa começa com o questionário psiquiátrico final para aprovação do procedimento cirúrgico. E o médico sabe que Bree decorou respostas-padrão. Mas a maior mentira é a tentativa dela de ignorar aquele mundo preconceituoso, com olhares tortos, julgamentos e incompreensão.
É para se deparar com ele e superá-lo que sua terapeuta a manda a Nova York para conhecer Toby, o filho de quando ela ainda era homem. Bree tira o garoto de programa de um Centro para delinqüentes e resolve levá-lo para Los Angeles, sem lhe contar que é seu pai. É um road movie, em que Bree descobre que não é só homem, nem só mulher, mas o conjunto de uma série de partes que ela vai conhecendo durante a viagem.
O diretor e roteirista Duncan Tucker ensaia um Almodóvar, auxiliado pela excelência da fotografia, direção de arte e dos figurinos. Mas no momento em que o espanhol criaria uma cena genial e inesperada (como o monólogo de Agrado, em “Tudo sobre minha mãeâ€), o americano se prende à estrutura Sydfieldiana do roteiro e à s obrigações com o show de Huffman. A atriz incorpora a postura, a voz e os conflitos de Bree - um amontoado de conflitos e dúvidas internas, o oposto da decidida Lynette, de “Desperate housewivesâ€. E que não atribuam a boa interpretação ao seu pênis!
Nem por isso a direção deve ser desmerecida. Ela acerta com Elizabeth, a preconceituosa mãe de Bree - e muito mais artificial que a filha. Sua casa sem personalidade, seu bronzeado e cabelo falsos são metáforas de sua felicidade de mentira. E Tucker prova seu talento na cena em que a transexual revela a Toby que é seu pai – ele faz você querer que Bree conte e, dez segundos depois, implorar que ela não o faça. São aqueles raros momentos em que tomamos consciência de nossos preconceitos e não conseguimos negá-los. E isso já é um passo bem grande.
Um mezzo road movie, mezzo Almodóvar, por favor!
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