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Tromba d’água

09.10.06

por Rodrigo Campanella

Dália Negra

(The Black Dahlia, Alemanha/Estados Unidos, 2006)

Dir.: Brian de Palma
Elenco: Josh Hartnett, Aaron Eckhart, Hillary Swank, Scarlett Johansson

Princípio Ativo:
décadence avec élégance

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O problema-chave do filme novo de Brian De Palma, construindo em cima do romance de James Ellroy, é que ele tem apenas sessenta minutos mas a projeção se estende por duas horas e pouco. Ou seja, depois que o diretor já apresentou tudo o que tinha de melhor, quem assiste é obrigado (ou não) a permanecer outra hora em frente à tela enquanto ele acaba de contar a trama do livro, fazendo graça e sem o mínimo interesse em explicar direito quem é que fez o quê com quem quer que seja.

A versão ‘cinema clássico’, e bom, de Dália ocupa a primeira metade do filme. A segunda é assumidamente uma piada-pastiche mirando a caricatura exagerada, ilógica e sem peso em que os filmes ‘comerciais’ vão se convertendo. Não tem lá tanta graça.

Ellroy, o escritor por trás do romance de mesmo nome, pescou um assassinato real hollywoodiano, tanto de geografia quanto de estilo, e criou uma traiçoeira ficção negra (noir) em cima. O diretor enviou o suspense policial para o lixo e resgatou do livro só o que lhe interessava: a dinâmica entre os protagonistas, os detetives Blanchard (Eckhart) e Bleichert (Josh Hartnett), e a chance de reconstruir visual e moral de uma década passada.

É estranho ver De Palma, marca de confiança quando se trata de duvidar do que as imagens exibem, tratando displicente de uma história em que a graça é perceber como a podridão é ótima construtora de máscaras, e mesmo assim, mesmo em Hollywoodland, elas caem.

O até hoje não resolvido assassinato de Elizabeth Short, corpo serrado ao meio e um corte atravessando a boca de orelha a orelha, está em segundo plano. O fio desencapado que dá vida à reconstituição de época e ao jogo de blefes é Blanchard, o detetive obcecado e com senso mui particular de justiça. Com sua saída da trama, o filme desce a ladeira – e começa o desabamento total.

Ainda no início, depois da luta de boxe, é difícil não ficar rendido por toda aquela moral duvidosa e cheia de banca, filmada com paixão de cinéfilo por diretor e equipe. Quem assiste vai sendo envolvido pelos vícios de De Palma (as imagens, o boxe, as mulheres fatais) e logo está lá, na cola de Hartnett-Bleichert, torcendo para que caia mais uma mentira no ventilador.

Mas ao fim, o que parecia uma cachoeira na primeira metade vai minguando até virar apenas uma irônica tromba d’água. É essa a maior ilusão de ótica (e recado) que o filme guarda, junto de uma meia dezena de grandes cenas que, se você gosta mesmo disso aqui, ainda valem qualquer sessão.

"E então Blanchart, é essa piada aqui que o cinema virou?"

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