Grandes Navegações
07.05.08
por Igor Costoli
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A era da inocência
(L'Âge des Ténèbres, Canadá, 2006)
Dir.: Denys Arcand
Elenco: Marc Labrèche, Diane Kruger, Sylvie Léonard, Caroline Néron, Rufus Wainwright, Macha Grenon, Emma de Caunes
Princípio Ativo: Realidade versus ficção
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As Invasões Bárbaras
Ao entrar em um mercado estrangeiro, o nome de um filme pode ser alterado para que se torne mais acessível ao público local. Entretanto, alterar o nome com que o autor batizou sua obra não tende a ser uma decisão sadia. E alguns desastres de tradução provam que produtores e exibidores vêm abusando deste poder.
Ao traduzir “L’âge de Ténèbres” para “A era da Inocência”, perde-se uma referência clara à forma como este filme se relaciona com seus predecessores. É meio exagerado falar em “fim de uma trilogia”, mas a relação é evidente.
Um alfinetava o meio acadêmico; o outro, o sistema de saúde canadense; este, o funcionalismo público. Mas tudo isso é apenas cenário, porque a matéria-prima de Arcand é sempre a mesma: pessoas e o mundo que as cerca.
O Declínio do Império Americano
Jean-Marc LeBlanc é casado, tem duas filhas, carro, casa, emprego estável e uma merda de vida. A esposa passa o tempo inteiro trabalhando ao celular e as filhas não conversam com ele. Seu refúgio deste “American Beauty” particular está na própria cabeça, que passa o dia encarando o mundo com passividade enquanto, alheia, imagina uma vida de sonho.
Na primeira metade da projeção, as divagações de Jean-Marc fazem o papel de escape cômico, além de criarem identificação. Sonhar é humano, e quem nunca se imaginou um grande escritor ou um artista de sucesso? É assim também que a personagem dá vazão a toda a sexualidade desaparecida em seu casamento, recorrendo a lindas “amigas” imaginárias.
Este elemento torna o filme mais dinâmico e acessível em relação a seus antecessores, sem demérito. Em Declínio e Invasões, os diálogos intelectuais e a montagem contemplativa faziam o que fazem agora o humor cínico nonsense e a narrativa bem desenvolvida: uma crítica pesada ao estágio atual da humanidade, em que respostas e modelos foram trocados pela falência de valores e a sensação de desamparo.
A era das Trevas
O talvez pior martírio de LeBlanc é seu emprego. Funcionário de uma ouvidoria municipal que atende pessoas em dificuldades, ele passa o dia ouvindo problemas (sem solução) de outras pessoas. É possível rir por toda a projeção, mas há um momento em que a realidade transgride o humor da vida imaginária. E é a existência que passa a ser o grotesco.
Em Declínio, há uma rápida citação a Kundera, autor de “A Insustentável Leveza do Ser”. Em “A era”, a rápida aparição é do Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa. Especialistas na beleza e tragédia da alma humana, parecem estar ali como provocação, como um indício de que a arte é a única coisa que sobrou à barbárie desta civilização.
Mais pílulas:
- A vida dos outros
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E a vida se fez de louca...
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