A primeira vez que assisti a “Tron – Uma Odisséia Eletrônica” foi em uma fita VHS alugada, rodada em um videocassete Panasonic G9 e passando em uma televisão Philips de 14 polegadas que estava muito, mas muito distante da tela plana e do digital… Isso já dá uma idéia do impacto que aquele mundo criado em computador causou no início dos anos 80.
Em uma época em que os computadores estavam longe de serem populares itens domésticos, o filme apostou em uma trama que pedia um mínimo de conhecimento em informática. O resultado foi uma história confusa para a maioria das pessoas, que ficaram mesmo fascinadas foi com os inacreditáveis efeitos especiais daquela produção. Ver “Tron” foi como assistir “Matrix”, só que dezessete anos antes.
A verdade é que a história, apesar de formulaica e absurda, é interessante o suficiente para fazer queimar um pouco de fosfato tentando compreender a grande quantidade de informações despejadas em pouco mais de uma hora e meia. É curioso que uma produção altamente tecnológica gire em torno da mais ancestral das questões: o sentido da vida.
“Tron” é uma espécie de conto religioso protagonizado por programas de computador. E se essa premissa parece ousada hoje, imagine quase 30 anos atrás. Jeff Bridges é Kevin Flynn, um programador que criou populares jogos para uma grande empresa, mas foi passado para trás pelo seu rival Dillinger e agora possui uma loja de fliperamas. Ao tentar invadir o computador central (que possui inteligência artificial e comanda todos os programas da empresa) para buscar provas de que é o verdadeiro criador dos jogos, acaba teletransportado para dentro da máquina.
Em uma espécie de “Alice nos Páis das Maravilhas” pós-moderno, ele cai no surpreendente mundo dos programas de computador, que acreditam e cultuam uma misteriosa figura que ninguém nunca viu: o usuário. Sim, o “usuário” é o criador, o deus daquele universo. Foi ele quem concebeu os programas e criou todo o mundo.
Flynn, então, é o próprio deus encarnado (ou seria pixelado?) ali, e portanto, a única salvação daqueles programas dominados e “escravizados” pelo computador central. É aí que aparece o personagem-título: Tron é um programa capaz de quebrar as barreiras defensivas do programa principal e invadir o sistema, uma espécie de vírus capaz de destruir o computador central.
O diretor e roteirista Steven Lisberg tinha 31 anos na época e nenhum longa-metragem no currículo. Mas coube a ele transformar os sistemas e terminais internos de um computador em personagens, utilizando uma estética claramente inspirada nos jogos de fliperama.
É um universo de neon, recheado por animações computadorizadas que hoje não impressionam nem um pouco, com suas formas geométricas duras e cores fortes. Mas no início dos anos 80 aquilo era uma grande novidade e os embates entre os programas surgiam como uma versão ultramoderna das lutas de gladiadores. O mais memorável é sem dúvida a corrida de motos de luz, que deixam rastros que se solidificam, transformando o “campo de batalha” em um verdadeiro labirinto.
Auxiliado por Tron, Flynn e mais um outro programa conseguem fugir e preparam o ataque ao computador central. A mistura de tantas referências atualizadas a partir de metáforas envolvendo programas de computador (e que funcionaria tão bem em “Matrix”) não fez sucesso em 1982. Custando mais de 20 milhões de dólares, “Tron” foi um fracasso. Os diálogos confusos para quem não estava acostumado a computadores tornou o filme complexo demais, que acabou se tornando cult com o passar dos anos.
A produção foi parte de um projeto “futurista” da Disney, uma tentativa do estúdio de se tornar moderno e conseguir conquistar as novas gerações: no mesmo ano foi inaugurado o EPCOT Center na Flórida, com o objetivo de ser um parque de glorificação à tecnologia.
A utilização da animação por computador nos cinemas, nessa escala, era inédita até então, e os polígonos tridimensionais de “Tron” foram uma verdadeira revolução artística da linguagem. Os efeitos inovadores associados à linguagem técnica dos computadores envolvem uma trama que deve muito a “Star Wars”. Desde o design de algumas naves e veículos até a armadura dos soldados e o uso do azul para definir os mocinhos e o vermelho os bandidos são cópias quase descaradas dos filmes de George Lucas.
A luta do bem contra o mal é a mesma de sempre e o filme força uma série de situações em um roteiro por muitas vezes preguiçoso que abusa da boa vontade do espectador para que a história faça sentido. Mas ainda funciona como aventura, e possui o pano de fundo religioso que deixa tudo um pouco mais interessante. É simples, diferente (para a época) ingênuo e eficiente. Mais do que visionário ou divertido, “Tron” é um representante digno daquilo que um dia foi a “era do fliperama”.