Sempre fui um fã meio leviano de X-Men. Durante muito tempo quando alguém me perguntava o que eu lia em quadrinhos, respondia que era o grupo mutante, sem titubear. Tempos depois minha resposta foi mudando para Wolverine: todo o mistério e as várias mentiras sobre o passado do baixinho bombado com adamantium começaram a me parecer bem mais interessantes. Pensando hoje, distante daquele momento, eu imagino se toda a confusão sobre a vida de Logan (o passado, o Japão, Dentes-de-Sabre, o esqueleto metálico... a lista é tremenda) não são, enfim, menos complicados do que tentar compreender a dinâmica do universo X, com Ciclope e companhia como pelotão de frente. Não foram poucas as vezes em que eu me perdi no meio das histórias do grupo do professor Xavier, e isso me deixava um pouco sem paciência.
Comecei a ler X-Men por acaso, depois de folhear por anos, sem muito compromisso, revistas da equipe. Estava de viagem quando passei por um sebo e comprei uma certa revista de capa preta e lombada quadrada - Grandes Heróis Marvel, se não me engano. Estampada logo na frente, a Fênix Negra. Era o final da saga.
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As origens d'O confronto final passam por aqui
Li de uma sentada. E o que mais me marcou (e traz uma sensação estranha até hoje) era a historinha que vinha logo depois da principal: um what if... onde Jean Grey escondia que o poder da Fênix vivia dentro dela, enganando a todos enquanto continuava dizimando, por puro prazer, galáxias afastadas. Quando o segredo vinha à tona, começava um massacre sem fim em que uma das primeiras vÃtimas era Scott Summers, o próprio Ciclope, seu antigo amor e então namorado. No fim, todo o Universo era consumido aos poucos pela fúria da Fênix.
Pode até parecer bobo, mas até hoje é uma das histórias mais mórbidas que eu já li. Pulp baixo-astral de primeira.
A partir dali, começou o vÃcio. Acompanhar tudo dos X-Men naquela época era complicado: as histórias se espalhavam por pelo menos duas revistas e mais uma porção de especiais, sem contar que Wolverine ganharia tÃtulo próprio. Tudo publicado quando a editora Abril ainda ganhava um bom dinheiro com gibizinhos e gibizões. Eu tinha por volta dos meus onze anos. Sem grana, lia o que podia com a ajuda de jornaleiros amigos, que me deixavam usar a banca como biblioteca. A dificuldade em entender certas histórias vinha em parte da pouca idade.
Mas sempre foi claro para mim que X-Men não é Super-Homem (assim como Super-Homem não é Smallvile, mas isso é outra história). Acompanhar as reviravoltas do grupo mutante era bem mais complicado do que seguir as aventuras do homem-de-aço, em que raramente algum evento vinha alterar o cotidiano ou a história pessoal dele – na maior parte do tempo, o que rolava era socar bandidos, vilões e outros da mesma espécie.
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Wolverine, bonzinho? Às vezes...
Em X-Men, os heróis e os bandidos (isso até hoje) muitas vezes se misturam, trocam de lado, aliam-se. Se a diversão com outros tÃtulos podia ser apenas ver ‘mocinhos’ ganhando a luta, em X-Men a história era outra. Acompanhar a rotina da Mansão Xavier, o entra-e-sai dos membros do grupo e as guinadas na vida de cada um - até dos antagonistas - era tão importante, se não mais, quanto quem iria ser socado naquele mês.
Olhando esse quadro, X-Men pode parecer um novelão, algo entre o que a Globo põe no ar à s 9 da noite e a vida rocambolesca de uma ‘série’, como a antiga ‘Dallas’. Mas não, não parece ser bem por aÃ. Longe do melô exagerado das soap operas americanas, ou da falta de um universo melhor trabalhado nas brasileiras, X-Men sempre construiu uma mitologia própria, que ajudava a compor bem os personagens e tinha implicações diretas nas guerras travadas. Cicatrizes de batalhas ganhavam vida nas tramas pessoais e escolhas individuais detonavam guerras futuras.
Tanto que, de quando em quando, era preciso zerar tudo: uma minissérie, um evento cataclÃsmico ou o recurso de uma linha de tempo paralela limavam boa parte da complexidade crescente da história e permitiam que novos leitores ingressassem na série. Afinal, os antigos estavam crescendo e era preciso sangue, olhos (e dólares) novos, pareciam pensar os editores.
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Ciclope sofre com uma das freqüentes tragédias dos mutantes
De um lado podia haver os quadrinhos de Asterix, que lembravam uma cidadezinha do interior – quem vem de fora depois de muito tempo percebe que pouca coisa mudou, apesar de haver sempre uma história nova para explorar. X-men, com seus vários escritores e ilustradores, de graus ainda mais variados de competência, sempre manteve essa cara de metrópole, onde a situação tende a mudar bem mais rápido. Um ano fora e já não se entende muita coisa.
Mas mutantes ou gauleses, cada um tem seu lugar durante a nossa história. O lugar dos meus tempos de X-Men eu vou levar pela vida inteira.