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Amar é morrer

30.08.09

por Daniel Oliveira

Amantes

(Two lovers, EUA, 2008)

Dir.: James Gray
Elenco: Joaquin Phoenix, Gwyneth Paltrow, Vinessa Shaw, Isabella Rossellini, Moni Moshonov, Elias Koteas, Bob Ari

Princípio Ativo:
tendências autodestrutivas

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Na primeira cena, nublada e cinza, de “Amantesâ€, Leonard (Phoenix) pula no mar, vestido e tudo. Enquanto o personagem afunda, o espectador não sabe ao certo o que está acontecendo. Eventualmente, ele começa a nadar/é resgatado de volta à superfície.

É a imagem perfeita do que vai se desenrolar pelos próximos 110 minutos. Quando chega em casa, descobrimos que não é a primeira vez que Leonard tenta se matar. As “tendências suicidas†começaram com o fim de um noivado, que resultou no que os pais chamam de “aquela coisa bipolarâ€. Na mesma noite, eles tentam lhe empurrar a perfeita Sandra (Shaw), mas ele acaba se apaixonando pela vizinha junkie, Michelle (Paltrow), e o cambalear bêbado de Leonard se apoiando ora numa ora noutra é o esqueleto do filme do diretor James Gray.

Michelle tem um pai desequilibrado, toma dois ecstasys numa noite e mantém um romance com um homem casado. É encrenca embrulhada num pacote com belos cabelos louros. O que atende perfeitamente aos desejos de Leonard. Ao mesmo tempo em que quer desesperadamente escapar da sufocante família judaica, ele sabe que não tem forças para sobreviver longe dela. Fugir daquele núcleo é se autodestruir aos poucos – e é exatamente isso que Michelle representa.

Se em “Os donos da noite†a hierarquia policial era a prisão da qual o protagonista tentava escapar, aqui ela é a casa de sua tradicional família judaica. Cheia de livros, fotos e móveis que conformam cada milímetro do que Leonard deve ser, ela é esse monstro, junto com os pais e a ótima trilha sonora, ao mesmo tempo cômodo e castrador, que faz do protagonista um crianção imaturo. Não por acaso, o motivo pelo qual a noiva o abandonara é genético – a raiz inescapável determinando sua infelicidade.

Ficar com Sandra seria muito mais simples e confortável para Leonard, mas ele nunca chega a amá-la. Sabe que ela é muito boa para ele, assim como Michelle sabe que o protagonista é muito bom para ela. Egocêntricos, Leonard e Michelle insistem ao mesmo tempo na fraqueza autodepreciativa de se dedicarem a quem não os merece, como justificativa para não amarem a si mesmos.

“Amantes†é um quadro lúgubre e melancólico que surge da direção e do roteiro de James Gray. Ele desenha seus personagens com perspicácia e carpintaria, carinho e mordacidade, deixando o público em suspenso até a resolução (ou não) final. Ainda assim, o filme deve muito a Joaquin Phoenix. A (tragi)cômica cena em que Leonard espera Michelle e seu “caso†no restaurante mostram o quanto ele compreende o personagem, nessa que é provavelmente sua melhor performance, a última antes de pirar/pregar uma peça no mundo todo.

Nos minutos finais, Gray confia unicamente ao ator e à trilha sonora o desfecho do filme. Após contemplar a água, sua opção inicial, Leonard volta a uma certa festa e dá um certo sorriso. É uma das cenas mais poeticamente tristes do ano, de apertar o coração. Tomara que Phoenix esteja só pregando uma peça com sua autodestruição.

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Leonard e Michelle: a prisão, a fuga e o fosso logo atrás.

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