Sexo, 3ª pessoa do singular
31.05.05
por Rodrigo Campanella
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Kinsey - Vamos falar de sexo
(Kinsey – EUA/2004)
Dir.:Bill Condon
Elenco: Liam Neeson, Laura Linney, Chris O’Donnel
Princípio Ativo: sex and the mickey
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A impressão ao final de Kinsey é a de que estamos matando muita gente, sexuada, por aÃ. É uma boa surpresa perceber que nada na pelÃcula tira esse travo amargo da boca, nem os bichinhos brincando de sexo enquanto rolam os créditos finais pela tela. Gente morrendo pela opção de ter um sexo, seja qual for, que não seja o certo. Quase ninguém vai fazer uma estatÃstica sobre isso – e uma panorâmica teórica sobre o assunto à s vezes não chega nem perto. Essas vozes de quase-morte, que transbordam por alguns cantos do filme, valem mais do que trazer o sexo (o órgão, não o conceito) para o centro da tela.
Aqui, temos a cinebiografia (parece que esse termo pegou) romanceada do doutor Alfred Kinsey (Neeson). Vindo de uma famÃlia absurdamente puritana, o biólogo descobre na noite de núpcias que não sabe nada de sexo. Casado com uma ex-aluna (Linney), parte para aprender mais sobre o assunto, mas só descobre preconceito disfarçado de informação nos EUA dos anos 40 . Decide então fazer um relatório sobre a atividade sexual americana – com base em entrevistas individuais - publicando em 1948 “Sexual Behavior in the Human Male e abalando as crenças sexuais americanas até ali.
Mas apesar de todo o intuito revolucionário, o sexo não sai em momento algum da terceira pessoa do singular – é sempre ‘ele’, ‘a coisa’, um sexo que parece existir sem ser feito por ninguém. Se a própria abordagem de Kinsey opta por esse caminho, o filme segue fielmente o mesmo. Sim, em algum momento há um pênis na tela, e uma vagina também, em close. Mas talvez isso só venha mostrar como o próprio cinema (americano), tão pudico, ainda parece não ter sofrido nem mesmo o impacto das revelações de Kinsey. Sexo nesse cinema ainda não faz parte da vida.
É por esse mesmo buraco que as cenas da vida de Kinsey são preenchidas por uma sujeira açucarada que deixaria Mickey Mouse, o rato assexuado, cheio de orgulho. Existe em particular um momento perto do final onde o pesquisador, câmera filmando de baixo para cima, abraça sua esposa em frente a um fundo de floresta enquanto a música vai subindo pela garganta do espectador em tom de Emoção! Cuidado com o enjôo. Essa abordagem ‘Disneylândia’ descarrega caramelo sobre todo o filme.
Mas, o que talvez ninguém contasse, é que havia ali duas pessoas apaixonadas – Liam Neeson e Laura Linney. É da fascinação e da entrega deles aos personagens que o filme cresce e se encontra – ainda que racionalmente frio por fora, cheio de um calor insuspeitado por dentro. Sem sexo, mas com amor.
E Kinsey fala sobre sexo. E só fala a fala e nada de falo
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