Nevermore
17.09.09
por Igor Costoli
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Anticristo
(Antichrist, 2009, Dinamarca/Alemanha/França/ Suécia/Itália/Polônia)
Dir.: Lars Von Trier
Elenco: Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg
Princípio Ativo: Sonho de uma meia-noite agreste e infinita
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"Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais"
Rotular e classificar faz parte do processo de compreensão. Entretanto, seria bobagem enquadrar este Anticristo na dicotomia bom/ruim. São definições que não se aplicam a ele.
O roteiro do filme foi concebido durante um perÃodo de depressão do diretor Lars Von Trier. A informação vale como dica, e menos como explicação, para o que se segue na tela. Ainda que o próprio dinamarquês concorde com a teoria de que está sempre fazendo o mesmo filme, é preciso resistir a concluir de forma definitiva o que ele quer mostrar ou afirmar com o longa-metragem.
O sofrimento do espectador começa logo no prólogo, quando o diretor faz uso da beleza plástica para encenar uma história terrÃvel. No filme, que dedica a Tarkovski e Strindberg, Trier mescla mitos religiosos e mitologias misóginas com sonhos perturbadores para mostrar o luto de um casal que perdeu o filho de modo trágico. Trata-se de um filme forte, em que a experiência de sua 1h40 de projeção cria uma dilatação temporal que massacra a audiência, que sai da sala escura com a impressão de ter estado lá por muito mais tempo.
"Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita"
Se entre tela e poltrona não há dúvida de quem é torturado e quem é torturador, no enquadramento é diferente. As personagens de Charlotte e Dafoe se revezam, dando ao filme diferentes dimensões de abuso psicológico e sexual. Uma vez mais o diretor dinamarquês usa a nudez e o explÃcito sem finalidade erótica. Ela se aproveita dele e do sexo para aplacar a dor. Ele finge relutar, apenas para mascarar seu poder sádico nesse contexto. E isso é só a ponta do iceberg.
Por mais que se saia da sala com as tão faladas cenas de violência e mutilação genital na cabeça, é o uso que o diretor faz de sua liberdade artÃstica que é chocante. Ao rodar uma história abjeta para satisfazer o exercÃcio de criação idealizado quando estava doente e frágil Trier faz de seu Anticristo o ato de dividir com o público uma dor que este não pediu para conhecer. Mas quando vários enigmas da história se descortinam na tela, aquilo que até então parecia mera tortura cinematográfica se torna uma estranha fábula da maldade e da ignorância (natural) humana levada a dois extremos: o narrativo e o visual.
Anticristo é um filme a ser visto, mas poucos o tomarão como um filme a ser revisto. Porque mesmo reconhecer sua excelência técnica e dramática é fazer parte de um jogo sádico em que gostar dele também é sair perdendo.
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