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Órfã da tempestade fascista

08.10.09

por Daniel Oliveira

Vencer

(Itália/França, 2009)

Dir.: Marco Bellocchio
Elenco: Giovanna Mezzogiorno, Filippo Timi, Corrado Invernizzi, Fabrizio Costela, Michela Cescon, Pier Giorgio Bellocchio

Princípio Ativo:
referências mudas

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Que tal voltarmos a fazer filmes como no cinema mudo: atuações exageradas, visual ultra-estilizado, diálogos teatrais e narrativa ainda não muito bem resolvida?

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Não, né? Para quê? Evolução não é enfeite e, perdoe o chavão, “pra frente é que se andaâ€. Pois é, alguém devia ter dito isso para o italiano Marco Bellocchio, roteirista e diretor de “Vencerâ€, concorrente à Palma de ouro de Cannes em 2009. O filme é um espetáculo visual, reproduzindo a ebulição artística e cultural das vanguardas do início do século XX, em especial o futurismo. Mas o acabamento formal impecável não contamina o conteúdo, fazendo do longa uma peça de design bonita, mas um tanto vazia.

“Vencer†conta a história de Ida Dalcer (Mezzogiorno, de “Amor nos tempos do cóleraâ€). Amante de Mussollini, ela conheceu e apoiou o futuro ditador logo no início do século, mas foi abandonada e encarcerada, assim como seu filho, quando ele ascendeu ao poder. Ida foi mandada para o hospício, escondendo a infidelidade do “Il Duceâ€, e passou o resto da vida tentando provar que eles se casaram e que seu filho era o primogênito do ditador fascista.

O melhor do longa está no início, com o tórrido caso se desenvolvendo à medida que Mussolini, então um socialista, aproxima-se de tendências mais radicais. O filme retrata isso muito bem, fazendo uso do barulho e da estética impactante do futurismo, vanguarda radical que pregava ideias como “a guerra é a única higiene do mundo†e que teve grande influência no ideário fascista.

As montagens que destacam a importância do impresso para os futuristas dão ritmo a esse início. E as várias sequências em sessões de cinema – arte que eles consideravam superior, por representar a ideia de movimento – são quase gags do slapstick, com bate-bocas que parecem saídos direto das placas do cinema mudo. As referências à era não param aí. Ida assiste a “O Garoto†de Chaplin como catarse pela perda do filho e enfrenta um interrogatório praticamente copiado da clássica sequência de “O martírio de Joana D’Arcâ€, de Carl Dreyer.

Mas a referência essencial de “Vencer†é a própria história da protagonista. Bellocchio faz de Ida uma das heroínas descontroladas e injustiçadas de D.W. Griffith, transformando acontecimentos históricos em um dos novelões típicos do pioneiro norte-americano. Lillian Gish, musa do cineasta, podia estar no lugar de Mezzogiorno. Ou Ana Paula Arósio. Perdendo em profundidade o que ganha em lágrimas, uma história que merece ser contada é esvaziada aos poucos por um diretor que, para o bem e para o mal, conhece demais o meio com que trabalha.

Mais pílulas:
- Desejo e perigo
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Sabe estilo? Sobra.

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