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Clichês de horário político

11.08.06

por Rodrigo Ortega

Intervalo Clandestino

(Brasil, 2006)

Dir.: Eryk Rocha

Princípio Ativo:
Tragédia

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“No Brasil, tudo que se planta cresce.â€
“Intervalo Clandestino†é uma história de expectativas. O diretor é Eryk Rocha, filho do cineasta Glauber Rocha. É o segundo longa de Eryk, sucessor de “Rocha que voaâ€, sobre a passagem de seu pai por Cuba. Desta vez, o diretor colheu imagens e depoimentos de pessoas anônimas sobre as eleições brasileiras em 2002. Nas primeiras falas, o que se descobre é que muita gente confia até hoje na narrativa do descobrimento do Brasil (a carta de Caminha ao rei de Portugal, aquela do “querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudoâ€). Portanto, a maior expectativa não é sobre o “filho do Glauberâ€, e sim sobre o Brasil.

“Agora tudo vai mudar.â€
“Intervalo Clandestino†é uma tragédia monumental. A esperança de viver em um paraíso é sempre frustrada e acaba no sentimento de ter sido traído, presente em quase todas as falas. As manipulações de imagens digitais e de som, que se misturam ao tradicional povo-fala, são tão usadas que esbarram no virtuosismo. Passam pelo óbvio (longos segundos de foco nos olhos de um cidadão), por relações interessantes de sentido (o público de futebol por trás dos nós de uma rede) e por relações não-entendi de sentido (pontos de luz desfocados se movimentando, com conversas sobre democracia ao fundo).

“Democracia é ter alguém que me ajude.â€
“Intervalo Clandestino†é horário político. As falas que os personagens articulam, mesmo que realmente indignadas, são formalmente parecidas com os discursos de falsa indignação dos candidatos. As maldades “das elitesâ€, “do neoliberalismo†e o “assim não dá, assim não pode†dominam os depoimentos. É aí que a história fica interessante: é um horário político feito por pessoas que não gostam de horário político, assim como a maior parte dos espectadores do próprio filme. Na exibição de “Intervalo Clandestino†na Mostra de Cinema de Ouro Preto, mais da metade do público foi embora antes do final.

“Deus salva / A religião é o ópio do povo.â€
“Intervalo Clandestino†não é um filme de Erik Rocha. O foco no aperto de mão de Bill Clinton em FHC é um depoimento que Michael Moore faria melhor. Quando a discussão sobre religião e política começa, a impressão é que o filme não existe mais, pois se transformou em uma confusão de personagens frustrados.

“O povo está no poder.â€
“Intervalo Clandestino†não está pronto. Eryk contou que quase inseriu de última hora cenas sobre a crise do mensalão, e todo dia vê alguma imagem que gostaria de colocar no filme. A confusão do parágrafo anterior é, portanto, intencional e corajosa. “Intervalo Clandestino†é um filme que sacrifica a si mesmo para convencer o público da sua tragédia.

Reproduções de imagens e discursos

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