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Abismados

03.08.07

por Luciana Dias

Andrew Bird – Armchairs Apocrypha

(Fat Possum – Importado, 2007)

Top 3: “Hereticsâ€, “Armchairs†e “Imitosisâ€.

Princípio Ativo:
Bird e um violino e uma guitarra e assovios e mais um monte de coisa.

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Se houvesse um cenário perfeito pra Armchairs Apocrypha, sétimo disco do norte-americano Andrew Bird, seria um abismo. Um enorme, bem escuro, mas que ainda assim desse pra gente olhar pra cima. De forma que não se esqueça que o universo é grande, mas o tempo está aí passando, tornando você – e tudo mais – perecível (“you’re gonna grow old, you’re gonna grow so coldâ€) e obsoleto.

E sabe, tem aquele outro território sem fundo também – aquele de dentro. Que a gente pensa que tem, mas que na verdade tem a gente. Daí que o disco serve pra esse também. Músicas que te fazem lembrar como você é um ferrado e sozinho, mas ao mesmo tempo não te deixa resignado. Há uma vontade de acordar de vez e chutar seus fantasmas na bunda.

Embora a palavra ‘atmosférico’ (não, não vou dizer denso) não diga lá muita coisa, era bem ela que eu queria usar. Poxa, não é a toa que eu pensei em abismo. E neblina. Não que o disco seja a marcha fúnebre versão extendida. Mas parece que certos sons – barulhinhos, assovios – estão vindo de tão longe de forma que não rompe com a música, com o silêncio. De repente se esvai – e aumenta o sentimento de abandono.

Logo na segunda música, “Imitosisâ€, rola uma parada felizinha, mas nããão se engane: tudo isso pra concluir “we are all basically aloneâ€. Já “Hereticsâ€, com o perdão do trocadilho, é coisa linda de Deus. O refrão total sing-along-e-o-faça-alto diz assim: “Thank God it’s fatal, thank God it’s fatal. Not shyâ€. De novo, abismo. Aniquilamento pode ser oportuno, “encores can be fatalâ€.

Mas nenhuma música brutaliza tanto na ambientação escuro-frio-mamãe-me-dá-colo quanto a que dá título ao álbum. Violinos ecoando perturbadores, de longe, claro, afinal de contas você caiu em um abismo lembra? Não bastasse, piano fudido que junto com violinos conduz tensão por uns bons sete minutos. Tensão que cresce, pára, cresce, pára – dentes rasgando sua carne devagarinho. O repertório de imagens é perfeito: diz das distâncias (“I dreamed you were a cosmonaut of the space between our chairsâ€), diz da solidão (“these looms that weave apocryphaâ€), do tempo (“time, it’s a crooked bowâ€).

Mr. Bird começa cantando cansado, extenuado, longe, a ponto de desaparecer. Até que uma hora explode na sua cara – acusação última: ‘YOU DIDN’T WRITE YOU DIDN’T CALL. IT DIDN’T CROSS YOUR MIND AT AAAALL.’ Deus. E você fica se perguntando como pode um cara fazer isso tudo SOZINHO. Se eu ligasse pra futebol, acho que era assim que iria me sentir quando um cara do meu time fizesse um gol decisivo numa partida – aquele momento exato em que ele se eleva. E ninguém poderá fazê-lo descer.

“Oi, eu curto sofás e ambientes inóspitosâ€

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