O crime secreto das palavras
11.01.08
por Daniel Oliveira
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Desejo e Reparação
(Atonement, Reino Unido/França, 2007)
Dir.: Joe Wright
Elenco: Keira Knightley, James McAvoy, Saoirse Ronan, Romola Garai, Vanessa Redgrave, Brenda Blethyn
Princípio Ativo: ficção
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O Amor
não comporta ciências exatas e, por isso, não suporta medidas.
Quantos beijos, abraços, momentos constroem um grande amor?
E é por não ter medidas, que a gente nunca sabe o quanto dele é suficiente. Em “Desejo e reparaçãoâ€, várias páginas de lascÃvia e dúvida internas de Cecilia e Robbie (Knightley e James McAvoy) no livro de Ian McEwan se transformam em algumas imagens editadas de um completando o movimento do outro. E lutar contra esse sentimento para eles é como segurar a respiração dentro d’água – e quando ela entra, ele sai, num desencontro simbólico para a história.
E isso é mais que o bastante para convencer do grande amor dos dois, interrompido por uma
Mentira
Mas o que caracteriza uma: a intenção de enganar ou a ignorância da verdade? Briony (Ronan), irmã de Cecilia de 13 anos, descobre que, não importa o motivo, a dor causada é a mesma. Ao acusar levianamente Robbie de um crime, ela desencadeia uma tragédia que acabará mandando-o para a
Guerra
E o que é a guerra senão a imagem de um homem que tem sua vida intempestivamente arrancada de si e luta com todas as suas forças para retornar a ela, mesmo sabendo que nada mais será como antes? Ainda que bastante enxuto, o purgatório de Robbie na retirada britânica da França em 1939/40 capta, num plano-seqüência de mais de três minutos, a metáfora da guerra como essa punição injusta e ininterrupta, esse acidente de percurso que torna impossÃvel respirar – viver. E faz de Robbie um homem purgando pecados que não cometeu simplesmente porque a
Vida
não faz sentido. E é por precisar de um, que Briony cria histórias, personagens, heróis e vilões. E quem há de condená-la? Há quantos milênios inventamos narrativas para entender o mundo? A genialidade do romance de McEwan é ousar profanar essa complexa linha entre vida e
Ficção,
um dos grandes temas de “Desejo e reparaçãoâ€. Presente no tac tac tac datilografado da belÃssima trilha de Dario Marianelli, que dita o ritmo do filme; e nos passos sistemáticos e no olhar de Saoirse Ronan, que materializam Briony de forma assustadora – e fazem do longa do diretor Joe Wright uma experiência ótima para quem não leu o livro e emocionante para quem o fez.
Na ficção, as palavras tecem sentido. Mas elas são armas dissimuladas, perigosas. Afinal, a ficção não é uma mentira? O amor não é uma guerra? E nossa vida não é uma ficção de palavras (mal) escolhidas por nós mesmos?
A responsabilidade sobre elas é de cada um de nós, seus escritores – uma vez ditas, não há volta. Nas palavras de McEwan, “não há reparação possÃvel nem para Deus, nem para romancistasâ€. Há que se viver com o crime.
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