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Pegadas na neve

29.05.08

por Daniel Oliveira

Longe dela

(Away from her, Canadá, 2006)

Dir.: Sarah Polley
Elenco: Julie Christie, Gordon Pinsent, Olympia Dukakis, Michael Murphy, Grace Lynn Kung, Alberta Watson

Princípio Ativo:
respeito e dignidade

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A linguagem é o que define quem nós somos. A capacidade de reconhecer as coisas e nomeá-las, e de interagir com elas ao expressar idéias verbalmente, é o que nos individualiza e caracteriza como humanos.

Perder isso seria, portanto, perder a própria identidade. Em “Longe delaâ€, a atriz Sarah Polley reconhece a validade dessa teoria. Mas ela quer mostrar que existe algo mais na essência daquilo que nos define.

Adaptado do conto “The bear that came over the mountainâ€, de Alice Munro, o filme conta a história de Fiona Andersson (Christie) que, após alguns sintomas, descobre-se diagnosticada com Alzheimer. A doença vai afetando o dia-a-dia dela e do marido Grant (Pinsent), até que a internação se torna a única alternativa. Na clínica, Fiona vai aos poucos perdendo contato com os 44 anos que havia vivido com Grant.

Polley demonstra maturidade incomum para uma estreante tanto no roteiro quanto na direção de longa-metragem. A construção da personagem de Christie é tão sutilmente bem feita no inicio do longa, que a aproximação com seu novo amigo na clínica, Aubrey (num estado da doença bem mais avançado que ela), não parece uma traição. Fiona é uma mulher forte, dominante, e tratar o amigo – quase como uma enfermeira do local – representa manter, de certa forma, um resquício de si mesma.

Visualmente, Polley inunda várias cenas com o branco, como o enorme campo de neve onde Fiona e Grant esquiam. A cena em que a protagonista sai sozinha, enquanto o marido fala em off que ela deve sempre procurar algo ‘pertinente’ para se orientar, é belíssima. Ela olha ao redor e tudo que vê é um branco vazio, metáfora de sua doença. E a expressão de desalento de Julie Christie é de cortar a alma.

A atriz mantém a dignidade e a elegância dessa mulher por boa parte do filme. Mas quando Fiona começa a perder o brilho eterno de uma mente sem lembranças, em direção a um vazio inalcançável, é Gordon Pinsent quem se destaca. A dedicação resoluta e o amor incondicional expressos no rosto do ator fazem de Grant o verdadeiro protagonista de “Longe delaâ€, afinal são suas ações em nome do bem-estar da esposa que impulsionam a trama.

E é aí que Sarah Polley, confiante no comando de seus atores (que, quando falam, lembram a entonação da atriz em outros filmes) e respeitosa, sem explorar melodramaticamente uma doença terrível, apresenta sua teoria. A linguagem pode ser o que nos define. Mas se, ao perdê-la no branco infinito, alguém caminhar ao nosso lado, essa pessoa pode nos lembrar de quem nós somos. Porque, se o amor é grande o bastante, uma parte nossa sempre vai resistir dentro do outro.

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E se ela não lembrar, ele vai lembrar pelos dois...

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