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A vida do(s) outro(s) lado(s)

por Daniel Oliveira

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Eu toco a campainha, ele abre a porta. Entro e ele me diz para ficar à vontade, o que se torna difícil quando vejo na mesa uma bandeja com batatinhas fritas e refrigerante ainda pela metade. Por um momento, passa pela minha cabeça que aquela não é a alimentação apropriada para alguém correndo o país e trabalhando o dia todo para divulgar seu filme.

Mas não digo nada. Não era nem para eu estar ali. É o quarto de hotel dele e só subi porque, encontros e desencontros, o diretor acabou subindo antes que pudéssemos fazer nosso tête-à-tête.

E foi assim que acabei no quarto de Breno Silveira, interrompendo o lanchinho antes da pré-estréia de seu novo filme, “Era uma vez...â€, em Belo Horizonte. Eu só não estava mais sem graça porque não era a primeira vez que conversava com o diretor e já conhecia sua disposição para falar sobre seu trabalho.

A única diferença é que, da última vez que nos falamos, Breno era um estreante dando a cara a tapa em um filme sobre uma dupla sertaneja. E agora, ele é o diretor do maior sucesso de bilheteria do cinema brasileiro pós-retomada. O cabelo está maior, mas a voz continua a mesma (um pouco mais rouca pela tarde de entrevistas), assim como a simpatia. E a preocupação: “A gente estréia entre o Batman e A Múmia. Grita aí no seu site para a galera ver o filme porque se eu não tiver público no primeiro fim-de-semana, vai ser bem difícil mantê-lo nas salasâ€. Recado dado. Agora, a entrevista.


Breno à frente do barco.

Pílula Pop: Quais as críticas que você ouviu quando disse que queria contar a história de amor do rapaz pobre pela moça rica? Elas mudaram alguma coisa no processo e no filme?

Breno Silveira: Todo mundo disse “é repetido, mais uma vez a história do moço pobre e da moça rica...â€. Mas o filme é muito mais que isso. Ele pode ter a estrutura fabular do Shakespeare, só que quer falar, no fundo, de todas as relações de amor que existem ali dentro – não só dos dois. Ele mostra o outro lado de uma sociedade que se divide em guetos - em favela e asfalto. No primeiro filme, eu dizia ‘olha, não desista do seu sonho, por mais louco que ele seja’ ; nesse eu quero dizer ‘olha para o outro lado do muro’.

Pílula Pop: Ao mesmo tempo, existe uma continuação da história desses personagens que, em um mundo adverso, injusto, atrevem-se a sonhar...

Breno Silveira: Eu gosto muito de falar do cidadão simples. Aquela pessoa que tenta ser boa, apesar das dificuldades. A primeira linha que escrevi desse filme era sobre um garoto, que tudo dava errado na vida dele, e ele insistia em ser bom. E esse é o plot mais importante: como se manter honesto em meio às dificuldades. Sem muito maniqueísmo, sem ficar só do lado da favela ou do asfalto. Todos os personagens estão certos. O pai tem sua razão, a mãe tem, o Carlão, o Dé e a Nina...só que ninguém olhou pro lado. Se o espectador não começar a se emocionar e pensar ‘não vou fazer isso porque vai gerar aquilo’, o abismo que provoca a violência vai continuar. E o filme faz você se emocionar primeiro, para depois dar um recado bem duro. Por isso, a fábula acaba sendo tão importante quanto a fala do Thiago [Martins] no final.

Pílula Pop: A química entre o Thiago Martins e a Vitória Frate é muito boa. Sei que você fez vários testes com os dois, qual foi a cena que eles fizeram em que você viu que os dois convenciam como Dé e Nina?

Breno Silveira: O teste da cena da praia, quando ele tenta se aproximar dela. O Thiago fez de uma forma tão difícil para chegar perto, beijar. E ela não conhecia aquele cara com um visual esquisito, cara de marginal, não era um galãzinho de TV. A cena foi tão bonita que, no filme, ela teve 50% da força que teve no teste. A partir dali, eu vi nos olhos dela que não era uma menina espevitada, fútil. Tinha uma melancolia no olhar, uma fragilidade na beleza...

Pílula Pop: E ela é muito silenciosa no filme, né? Só olha, sorri e isso já diz tudo...

Breno Silveira: É o grande trunfo da Vitória, que faz a gente se apaixonar com poucas palavras. Não é uma menina óbvia, do tipo ‘vou me apaixonar pela princesa porque ela é oooh...’. É uma paixão pelo improvável, tanto ele quanto ela. E isso que é bonito: a delicadeza que não se está acostumado a ver nas pessoas é encontrada nesses dois personagens.

Pílula Pop: Quando eu te entrevistei na época dos “2 filhos de Franciscoâ€, você disse que tinha sido picado pela direção de atores. Ela foi mais fácil desta vez? Quais foram as diferenças?

Breno Silveira: Foi bem parecido. Houve um acerto no “2 filhos†que eu trouxe: achar as almas gêmeas dos personagens que eu criei. O Thiago tem muito do Dé, a Vitória também. O Paulo César Grande é uma pessoa destemperada. O Rocco Pitanga é um cara que, apesar de muito amoroso, é meio malandro. Lá eu descobri e aqui exercitei. É um trabalho de sensibilidade, de ensaios longos. Nunca é instantâneo. Fiquei encantado com a mágica que foi feita desta vez porque tinha muita gente com bem menos experiência que o Ângelo [Antônio] e a Dira [Paes]. A direção de atores talvez seja até mais madura.

Pílula Pop: Qual a sua cena preferida no filme e qual foi a mais difícil de ser realizada?

Breno Silveira: Gosto muito da cena do varandão, os dois olhando pra praia. Ela tem uma mistura de amor, humor e de fábula que me encanta. E a mais difícil foi a final. Parar a Vieira Souto com helicóptero, 50 policiais e com a proibição da própria prefeitura de filmar. Qualquer um que passasse ali podia expulsar. O que a gente fazia: se escondia numa garagem, saía, fazia o maior auê por 15 minutos e voltava. Eu fracionei em partes: ‘só o quiosque!’, ‘só a polícia!’, ‘agora vamos fugir rápido pra que ninguém seja preso!’ (risos). Era uma cena forte, que dependia demais do entorno. E a primeira pessoa que achasse que aquilo era verdade ia ser uma cagada. Fiquei muito preocupado que os carros não batessem, que ninguém denunciasse um seqüestro nos jornais. O Rio de Janeiro não parou por causa da cena (risos).


Breno observa o barco.

Pílula Pop: O roteiro teve várias versões. O filme chegou a ter um final diferente ou você sempre teve claro como a história dos dois terminaria?

Breno Silveira: Sempre quis esse final. O que não me impediu de ter filmado outros. Todo mundo queria mexer e eu sempre falei que sem o final, não existe mensagem. Sem ele, ninguém vai sair pensando se o mundo não podia ser diferente, melhor. Mas tinha um produtor na Columbia que queria que eles fossem vender coco no Nordeste... (risos). Um outro queria que só ele morresse – esse eu filmei. Se eu tivesse usado um final diferente, estaria traindo meu próprio sonho e o que quero dizer com ele: vamo tentar olhar pro lado para que isso não aconteça.

Pílula Pop: Na outra entrevista, você citou o “Terra de sonhos†como o filme recente que tinha visto e gostado, também pelo parentesco com o “2 filhosâ€. E agora, o que você viu recentemente e gostou?

Breno Silveira: Não tem nada a ver com o meu filme, mas vi “A vida dos outrosâ€. Obra prima. Queria ter feito esse filme. É muito bom.

Pílula Pop: Como é somar a pressão do segundo filme com a pressão do segundo filme depois do maior sucesso de bilheteria da retomada?

Breno Silveira: A maior cobrança é de mim comigo mesmo. Eu me cobro muito com relação ao meu trabalho. Só vou ficar relaxado no dia em que ver o público dentro da sala. Antes disso, sou pura tensão. “2 filhos†é um fenômeno e não dá para achar que se vai fazer sempre fenômenos. Mas acredito na força do meu trabalho para trazer o espectador. E que ele vai entender que essa não é uma história só do Rio e que esse não é mais um filme de favela.

Pílula Pop: Mas o “2 filhos†te deu mais liberdade ou mais pressão para fazer esse filme?

Breno Silveira: Difícil. Se por um lado ele traz uma facilidade de parceiros, por outro há a pressão do que é certo ou não pro público. E eu não faço filmes para o público, eu faço filmes pensando no público, o que é muito diferente. Os temas estão em mim: no que eu vivo, leio, vejo. Mas quando eu os filmo, faço com cuidado para que todo mundo possa entender.

Pílula Pop: E qual você acha que seja o maior acerto e o maior erro do cinema nacional hoje?

Breno Silveira: O maior acerto desde a retomada são as diferentes histórias e o conteúdo delas. Bem escritas, bem atuadas, bem contadas, com diferentes caminhos, públicos e temas. As histórias vazias e apelativas tinham feito o público ir embora. O grande erro...difícil de dizer. Acaba sendo o mesmo. A gente tem que tomar muito cuidado com roteiros e filmes ruins. Do mesmo jeito que a gente traz [público] com filmes bons, um longa nacional muito ruim é capaz de espantar. E eu acho que ainda estão sendo feitos muitos roteiros sem pé nem cabeça. É preciso um pouquinho mais de respeito com o que se bota na tela. Tá complicado. Daqui a pouco, eu não posso mais fazer filme. O público do cinema brasileiro já tá 30% abaixo em relação ao ano passado...

Pílula Pop: Com o sucesso aqui no Brasil, sempre surge a especulação de convites no exterior. Já existe algum? Você tem interesse?

Breno Silveira: Eu prefiro contar histórias brasileiras para brasileiros – e que possam ir para o exterior. Não quero filmar fora. Se for uma coisa que fale da América Latina, talvez. Mas nunca que fale de uma realidade que eu não conheço.

Pílula Pop: Da última vez, você disse que seu próximo projeto era chamado “Amor bandidoâ€...

Breno Silveira: Era esse. “Amor bandidoâ€, “Amor proibidoâ€, “A vida de Déâ€, o projeto já teve vários nomes. E acabou sendo “Era uma vez...†porque não quero que as pessoas tenham a impressão de estar vendo algo realista. Quero que elas se apaixonem, emocionem. O realismo não tá na fotografia, ou sei-lá-o-quê, tá na sinceridade da atuação.

Pílula Pop: E agora?

Breno Silveira: Meu próximo projeto talvez seja uma história de pai e filho. De novo. Desta vez, é um filho que não soube entender o pai. Sabe aqueles erros que você comete quando é muito novo e eles vão se perpetuando na vida – e quando você faz a ponte com seu pai é muito tarde? E é a história do Gonzaguinha e do Gonzagão.

Pílula Pop: E o Amyr Klink?

Breno Silveira: É um dos projetos que penso em fazer e tá sendo escrito. Eu escrevo três a quatro roteiros quase ao mesmo tempo. E vou fazendo à medida que eles ficam maduros. E o Gonzagão tá mais maduro que o Amyr.

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