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F de Favela

por Daniel Oliveira

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Da 12ª Mostra de cinema de Tiradentes


Depois de três filmes seguidos no sábado, resolvi manter um low profile no domingo e assisti somente à sessão da praça. Em parte também porque a diretora do longa exibido, o documentário “Contratempoâ€, daria uma coletiva para a imprensa na manhã de segunda-feira.

Ah, a diretora atende pelo nome de Malu Mader. “Contratempo†surgiu quando Malu foi chamada para ser madrinha da primeira turma de formandos do projeto “Villa-lobinhosâ€, que oferece aulas de música clássica para jovens dos morros do Rio de Janeiro. A atriz, e agora diretora, continuou envolvida com a iniciativa e, depois de insistir muito para que o cineasta João Moreira Salles (o instituto Moreira Salles é apoiador do projeto) realizasse um documentário sobre os jovens músicos, ele respondeu: “por que você mesma não faz?â€.

Moreira Salles e sua Videofilmes produziram, Mini Kerti se juntou como co-diretora e Malu decidiu enfim realizar o filme, após uma cirurgia que a fez questionar os rumos que vinha dando à sua carreira, unindo-se à Selton Mello e Matheus Nachtergaele na onda de atores atrás das câmeras. “Contratempoâ€, como documentário, está abaixo do razoável. Não há muito de cinema, o filme (feito com um orçamento de R$ 350 mil e equipe de seis pessoas) se apoia totalmente nas tragédias de seus personagens e comete alguns erros feios – como a sombra do microfone na parede do quarto de um dos entrevistados. Mas as histórias são bonitas, o projeto tem (muitos) méritos e não vai fazer feio em uma exibição domingo à noite no Canal Brasil.

Confira abaixo os melhores momentos da coletiva de Mader em TDNT.


Malu & família conferem a exibição de Contratempo na praça de Tiradentes.

Pílula Pop: Você parecia muito feliz ontem ao apresentar o filme. Fale um pouco dessa sensação de ir para trás das câmeras.

Malu Mader: Estou bastante feliz, mesmo que você não possa criar grandes expectativas com um documentário. Ele existe nos festivais, para o embate com esse público aqui. Normalmente eu sou uma pessoa de grandes expectativas, ainda que eu saiba que não se deve ser assim. Mas a parte realmente feliz foram as filmagens, o encontro com eles [os jovens músicos] e a realização do sonho de me tornar diretora. Desde os 30 anos que eu falo que quero dirigir e meu marido sempre falava: ‘olha, já chegou os 40...’.

Pílula Pop: Por que um documentário?

Malu Mader: Sempre quis dirigir ficção, mas no Brasil é muito difícil: o orçamento, captar, fazer um roteiro. No documentário, você já parte para a luta. Eu tinha um filho pequeno e isso atrapalhava bastante os planos. E era atriz, mudar de atividade é complicado, eu vivo disso. Mas entrei nesse projeto [o Villa-lobinhos], sem nenhuma intenção de fazer um filme sobre ele, me envolvi muito e as coisas acabaram caminhando nesse sentido. Era mais viável naquele momento.

Pílula Pop: Como a Mini Kerti chegou ao projeto?

Malu Mader: Eu não me sentia preparada tecnicamente. E vinha pensando em dirigir uma ficção com o Wagner, um dos gêmeos [personagens de “Contratempoâ€], e minha sobrinha, que estudava teatro na época. Uma menina de classe média e o cara do morro que se cruzam, ficam se sacando no ônibus e querem fugir das suas realidades. Essa mistura de ficção e documentário que tem acontecido recentemente. Não deu certo, mas a Mini estava envolvida. A gente já se conhecia, o Rio é muito pequeno, ela é da Conspiração [Filmes] e conheço todo mundo lá.


Malu dá uma de namoradeira de TDNT.

Pílula Pop: E como vocês dividiam o trabalho?

Malu Mader: O tempo todo a gente estava junto: eu entrevistava alguns, a Mini outros, mas sempre elaborávamos as perguntas juntas. Primeiro, nós selecionamos os personagens que íamos acompanhar porque eram muitos alunos. Os critérios eram os que tinham mais identidade e uma história pessoal de que gostássemos mais. A questão estética ficou mais nas mãos dela e a gente não brigou nunca durante as filmagens. Foi só na edição que tivemos uns atritos e houve momentos em que quis ter dirigido o filme sozinha [risos]. Mas agora não vejo mais no filme onde estou eu e onde está ela. E o Serginho Mekler [editor] na época da montagem também foi fundamental, quase um terceiro diretor do filme.

Pílula Pop: O que os entrevistados acharam do filme?

Malu Mader: Isso foi a coisa mais legal porque eu fiz o filme muito pensando neles, para eles se gostarem. Pensei muito nessas questões éticas do documentário, do jornalismo mesmo, até com base nas minhas experiências. Fiz umas aulinhas com o Moreira Salles e o [Eduardo] Coutinho na Casa do Saber, no Rio. Vi muitos documentários. Queria muito que eles gostassem. E eles ficaram querendo ver o filme várias vezes, levar a família...

Pílula Pop: E mudou alguma coisa na carreira deles?

Malu Mader: Não sei na carreira, mas na vida. Eu nunca fiz análise, mas acho que quando você vai dar uma entrevista, meio que funciona como um descarrego [risos]. E principalmente no caso deles, que eram histórias tão trágicas. Eu sentia que, assim como o Tablado [escola de teatro do Rio] chacoalhou minha vida classe-média, a música clássica também subverteu o destino deles. Rolava uma identificação.

Pílula Pop: Como foi para você, a Malu Mader da televisão, entrar na favela para entrevistar os meninos?

Malu Mader: Sabe aquele lance de que de perto ninguém é normal? Se ninguém é, todo mundo fica normal. Como eles já me conheciam há um tempo, do projeto, já tinham uma intimidade comigo. Realmente trabalho desde muito jovem na Globo e tem uma associação que é inevitável, mas onde eu vivo, transito, ninguém me aborda. É muito da tua postura. Tem um jeito de se portar que quase joga uma capa invisível sobre você. E a gente não fazia muito alarde nos lugares em que ia filmar.

Pílula Pop: A respeito da segurança para filmar na favela, que providências vocês tomaram?

Malu Mader: Eu não queria saber muito dessas autorizações e afins. Mas o Santa Marta, onde a maioria deles morava, é um dos morros que está sem tráfico no Rio. Nos lugares perigosos, os próprios meninos falavam: ‘olha, hoje tá rolando tiroteio, não vem’. Fui à favela pela primeira vez aos 12 anos, levar um dinheiro que a gente tinha arrecadado na festa junina da escola. E a vista da Rocinha são as mansões da Gávea. Foi o primeiro uau. O que me choca hoje é que continua o total abandono. Mas há uma tendência dos cariocas, de pessoas que vivem em um país em guerra, de assimilar aquilo. Eles não querem sair dali. A menina, Raquel, que diz que quer ir embora é a única que fala isso. O discurso dela era muito mais contundente e eu tirei para protegê-la.

Pílula Pop: Por fim, o que você pode nos dizer sobre o roteiro de ficção que está escrevendo?

Malu Mader: Não posso contar muito porque ele ainda não deu uma aquela shapada. É uma história de família atípica: não é pai, mãe, filhinhos...

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