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(Os filhos [e filmes] exóticos de) Janaína Kremer

por Daniel Oliveira

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Além de aparecer na nata dos filmes brasileiros e ter um sotaque gaúcho bonito de morrer, Janaína Kremer prega peças em jornalistas desavisados. Na primeira vez que liguei para a atriz, ela desligou de repente e a última coisa que eu ouvi foi: “peraí, meu Deus, meu filho acabou de cair ali”.

Com medo de ter causado uma pequena tragédia doméstica, liguei novamente, minutos depois, com peso na consciência. “Haha, meu marido disse que tu nunca mais ia ligar, com o susto que te passei. Desliguei na tua cara”.

Ahn?

“Foi Francisco, meu guri mais novo. Ele é um arteiro, não fica quieto. É ele que tava na minha barriga quando filmei ‘Cão sem dono’. Caiu da cadeira, mas já tá tudo bem.”

Ah, tá.

Janaína é aquela grávida, mulher do motoboy, no último filme de Beto Brant. E você pode achar que nunca a viu antes, mas ela está em todos os filmes de Jorge Furtado desde o curta “Sanduíche” - inclusive “O homem que copiava” e “Meu tio matou um cara”. Ela é dessas coadjuvantes que roubam a cena, trabalham ali no cantinho em casa, em PoA – come quieta. Seria quase uma mineira, se não respondesse todas as perguntas com a típica simpatia dos entrevistados portoalegrenses e um sotaque gaúcho inconfundível.


Janaína e o pequeno Francisco comendo quietinho ali no fundinho...

Plula Pop: Você está em dois dos melhores filmes nacionais do ano. São filmes muitos bons e muito diferentes. Como foi o trabalho em cada um?

Janaína Kremer: O Jorge [Furtado] é um escritor, né? Os diálogos são muito redondos, cabem na boca. A gente ensaiou muito, ele te ouve falar, é generoso e dá espaço às suas sugestões, apesar de elas nem serem muito necessárias. O texto é muito bom, fácil de decorar e é real para o personagem. Já o Beto [Brant] é totalmente diverso. Ele roda a cena umas três vezes e todas elas são diferentes. Do roteiro inicial, não sobra nada - é baseado no improviso. Ele vai te dizendo o que quer e a gente nem sabe quando está em quadro ou quando a câmera está ligada. São dois processos bastante interessantes.

Plula Pop: Porto Alegre já tem uma cena bem consolidada de cinema/audiovisual. Para você, atriz, qual a importância de trabalhar com um cineasta do “centro”, como o Beto?

Janaína Kremer: Eu já trabalho há um tempo aqui em PoA com a [produtoras] Casa de Cinema e a Clube Silêncio. São pessoas que eu conheço, então fica uma sensação de trabalhar com amigos, é como estar em casa. O Beto me viu num curta da Clube Silêncio, foi atrás de mim no teatro. Acho legal ser chamada por alguém de fora desse círculo – um cara te vê em um filme e vai atrás de ti...A personagem do “Cão” não era grávida e o Beto acrescentou isso no roteiro porque eu estava. É legal, né? Não é nem a circulação porque eu acho que o lançamento do “Saneamento” foi bem mais abrangente que o do “Cão”. Mas a gente fica feliz, né, do trabalho ser reconhecido...

Plula Pop: Sobre isso, a sua parceira no “Cão” Tainá Muller, rapidissimamente, já está numa novela da Globo. Você tem alguma aspiração nesse sentido?

Janaína Kremer: A tendência é te dizer não. Comecei bem mais tarde que a maioria das pessoas, com 25 anos. Tinha feito um roteiro e queria realizá-lo, então fui aprender como dirigir atores em um curso. Minha praia era outra. Mas me apaixonei pela atuação, fui fazer teatro, vieram outros trabalhos, filmes...sucesso e novela não são planos, nem nunca foram. Não tenho perfil de TV. E eu dou aula de teatro para crianças na periferia e é um trabalho que me envolve aqui. Se acontecer, vamos ver a proposta, né? Não tá nos meus planos, mas se me chamarem...

Plula Pop: Sobre “Saneamento”, em quem você se inspirou e como compôs a Marcela?

Janaína Kremer: Ninguém em particular. Minha sensação era de que ela a durona, a solteirona do grupo. Vendo o filme depois, percebi que ela começou a ser construída na roupa. O figurino dela é totalmente diferente dos outros. A figurinista [Rosângela Cortinhas] e eu fomos experimentando uns modelos, que não tinham nada a ver com o que eu já tivesse usado, e caímos no riso. Ela surgiu um pouco também ao contracenar com os outros atores. Não me envolvo com esse tipo de burocrata, então não sabia muito como eles funcionavam (risos).


Contando sacos de cimento com Fernanda Torres (mas ela não é sapata).

Plula Pop: Aquela cena da captação na vinícola é uma das mais engraçadas do filme. Vocês conhecem gente que teve que fazer aquilo tudo para captar?

Janaína Kremer: Em primeiro lugar, acho que ela não era sapata (risos). Eu não sei de ninguém que tenha feito aquilo, não. O Jorge, pelo menos, não me contou nada. É tudo invenção dele. Li o roteiro, liguei e perguntei: “de onde tu tira esses diálogos insanos sobre saco de cimento?” (risos). Os personagens são muito ricos. Até o prefeito, que aparece ali ligeirinho, tem um discurso de prefeito mesmo, né? É uma coisa do Jorge, dos roteiros dele.

Plula Pop: Perguntei pro Jorge e vou perguntar pra “ti”. Como foram as gravações? Vocês conseguiam se concentrar, ficar sérios? Porque pro público, é quase impossível não rir incontrolavelmente.

Janaína Kremer: Eu própria me divirto assistindo. Eu dou risada. A gente ria mais antes e depois [das filmagens]. Uma das cenas mais difíceis foi aquela do coral, em que a Marcela tira a roupa na frente do Joaquim. Era um coral de verdade e tinha aquela blusa, com o bichinho na frente...o Wagner e eu custamos...(risos). Não sei como foram as cenas do monstro. Não participei da maioria delas. Mas não era nada que a gente não conseguisse filmar. Tem que fazer sério para ficar engraçado.

Plula Pop: Você já trabalha com o Jorge há um tempo, desde o curta “Sanduíche”. Como é essa relação – você meio que virou um amuleto/chaveirinho dele?

Janaína Kremer: (risos) Pois é, fiquei sabendo esses dias que ele fez um curta aí e liguei para ele: “que palhaçada é essa de fazer filme e não me chamar?” (muitos risos). O Jorge me conhece do teatro – me assistiu por uns dois, três anos e me chamou. Desde então, quando eu sei que ele tá filmando, eu fico esperando a ligação. Ele gosta do meu trabalho, né? Senão, não me chamaria. E eu gosto dele, gosto da Casa de Cinema. Eles trabalham com profissionalismo: tem horário certo, as coisas funcionam, mas não é chato, é um profissionalismo zen. Espero continuar a filmar com eles. É um trabalho que eu gosto de fazer e de ver depois. É bom.

Plula Pop: E seus próximos trabalhos, projetos. Você disse que escreveu roteiro...tem vontade de dirigir?

Janaína Kremer: Jamais! Nunca vou ter paciência, depois que eu vi o que é direção. É um trabalho do cão. Fiz um filme que deve sair esse ano também, logo logo, chamado “Ainda orangotangos”. É uma outra coisa, outro estilo, um longa em plano-seqüência, aqui do Sul também. E, por enquanto, estou me dedicando a ver meu trabalho.

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