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A quem a letra não urge? Considerando essa necessidade da escrita inerente a muitos, cá estão algumas letras que buscam cores como tratamento para dores diversas. |
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Rosa
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Maria fechou a porta do banheiro com força. Sentia fome, muita fome. Começou a vomitar verde. O mesmo verde que a levara até ali, verde da espera e também da espera com um sufixo esverdeado. O dinheiro perdido também, assim como as lentes de seus óculos escolhidos por ela com tanto cuidado, verde. O lápis era verde, o quarto, seus sonhos. Ela era conhecida na rua como a menina esverdeada. Verdes, seus olhos.
Um dia, brincando na escola, achara uma pedra verde. Brincara de espedrejar até o entardecer, a pedra verde se chamava Rosa e era uma atriz de novela! Deixava a pedra ali, no cantinho, verde pedrinha pequena, e ia-se embora, todos os dias, ao final do recreio. A Rosa sempre estava lá no dia seguinte, no mesmo lugar no qual Maria havia deixado. A menina sorria para Rosa e contava todos seus segredos de menina. “Ah, Rosinha, serei atriz de novela como tuâ€. Era uma pergunta ou uma afirmação? “A pontuação muda tudoâ€, diria mais tarde a professorinha de português, de lÃngua.
“Mandar lÃngua para quem roubou a Rosa! Quem pegou minha Rosa?â€, gritava Maria, desconcertada. “Onde está minha Rosa?â€. Chorou lágrimas secas, correu para o banheiro, ali onde podia chorar tudo que doÃa. Chorar no banheiro tornou-se um hábito constante de Maria. Maria bonita. Maria bobinha. Maria Maria.
- Mas, Maria! Seu nome é forte! Nome bÃblico, minha flor, por que choras assim?
- Por que riem de mim, mamãe? Roubaram minha Rosa.
- Sua Rosa? Você tem flores?
Mas a mãe de Maria não tinha tempo para rosas verdes ou pedras floridas.
- Que mentira nova é essa, Maria? Eu nunca te dei rosas, arrumaste um namoradinho? Querida, fala com a mamãe!
E dizia como Maria deveria ser pura e doce como Maria, a mãe de Jesus. Nada de rosas, nada de flores, flores de amados e amores, então! Mas Maria chorava a perda de sua amiga. Onde encontraria alguma esperança sem o verde de sua querida Rosa?
Rosto rosado. Maria fechou com força a porta do banheiro. Chorou silenciosa e precisou de tempo para se acalmar; gastou todo tempo que podia e depois levantou-se. Saiu pelas ruas, olhos rosados, e logo viu que era tempo de ipês rosa floridos. Fazia frio quando ela estremeceu ao perceber as belas flores.
- Estou com frio. – falou baixinho, ninguém a ouviu, exceto uma garotinha que passava ali perto dela.
- Eu também tenho frio, moça. Acho que todo mundo deve estar com frio. Ontem vi um menino todo sujo, de camiseta, acho que ele sentia mais frio que eu, desculpe, como você chama?
- Maria. – sorriu, encantada – E tu?
- Eu me chamo Rosa.
-- Camilla Felicori gosta muito de cores. camilla.felicori@gmail.com
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