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Amimurga Letra
Camilla Felicori
A quem a letra não urge? Considerando essa necessidade da escrita inerente a muitos, cá estão algumas letras que buscam cores como tratamento para dores diversas.

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Dia quente. Extremadamente quente. Um suor escorrendo pela testa de pêssego dele. Ela nunca reparara em testas como o fazia hoje. Deve ser devido ao calor. Sentia-se nua ao olhar para as gotas, descendo devagar... Cada gota, como se o tempo parasse de passar, lentidão amórfica. Achava graça quando isso acontecia, mudança de parâmetros.

Sons, não ouvia nenhum. Apenas via as gotas. Coisa estranha isso, ele repararia tal olhar compenetrado vindo do outro lado do vidro? Dia quente de verão, gotas novas de chuva fina. Entre os vidros, uma nova gota, limpa, insalubre. Que faria ela para ultrapassar a distância que o vidro lhes impunha? Frio – quente, sensações misturadas, lá fora a chuva, aqui dentro, quente, quente, quem seria aquele moço da testa de pêssego?

Nada poética a denominação, testa, palavra quase oca, tes... tá, quem testaria por estímulos a nossa personagem? Corajoso seria, com certeza, já que a moça das gotas tem lá suas qualidades, uma delas o olhar fixo, ela que despia pessoas sem fazer esforço, nada tímida, não ficava vermelha, vermelha de.. ops! Vergonha, não.. mas vermelha de calor sim, quente quente, quem seria ela?

Entre o vidro e o olhar, uma incerteza. Ela gostava mesmo de usar do olhar fixo quando protegida. Ah! Se tirassem o vidro, o que seria dela? Olharia da mesma maneira? Ela não sabia bem onde começara essa cisma com olhares. Seria infância? "Ninguém me olha dançar balé, pensava." Mas era verdade, ninguém olhava. Ademais, Joana nunca gostava de usar calça comprida, sentia muito calor. Calor diferente sentia agora, calor de menina-moça só por causa de um olhar, que a essa altura já não era só dela. Menina moça protegida pelos vidros.

O moço-menino do outro lado, é claro, não é um boneco joão-bobo, a testa escorrendo, se levantou e foi em direção ao vidro. Bateu com quase força. "Moça! Moça!" Ela não respondeu. Ele coçou a barba mal-feita, barba mal crescida de menino-moço e sorriu quase mordendo os lábios. Ela continuou olhando. "Moça! Me diga ao menos seu nome!!" Ela sorriu um pouco triste. Todos do ônibus já olhavam, desconforto, ela não responderia? Ele olhou para o chão, tirou do bolso um lenço cinza, limpou a testa e foi-se. Ela continuou ali, muito calor, muda. Que culpa tinha de não poder falar?

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Camilla Felicori gosta muito de cores.
camilla.felicori@gmail.com

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