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Amimurga Letra
Camilla Felicori
A quem a letra não urge? Considerando essa necessidade da escrita inerente a muitos, cá estão algumas letras que buscam cores como tratamento para dores diversas.

Silvia

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Atravessando a rua, viu uma mulher gritar, como se a senhora idosa a chamasse, mas pelo nome errado:
- Silvia!
Ela olhou para os lados a procura de algum rosto que pudesse ter esse nome, mas a rua estava vazia. Bem mais perto, a senhora:
- Silvia!!
E lhe deu um abraço forte, sorriu um sorriso sincero:
- Já sabe da novidade?
Maria não sabia o que dizer
- Mas... – Tentava esclarecer à senhora que ela não era a Silvia e, ademais, estava atrasada para o médico. Mas a senhora não parava de falar, ou melhor, não a deixava falar.
- Silvia, que bom que finalmente ele tomou jeito!
- Ele? – Maria começou a achar graça da situação, porque não ouvir o que a senhora tinha a dizer a Silvia?
- Ah! Não se faça de desentendida! O Robson! Não precisa ficar com vergonha, não, Silvia, ele me contou que te amava, e muito.
- Mas....
- Eu sei que aquele dia foi horrível, eu me exaltei... Onde já se viu uma senhora como eu, da minha idade, do meu porte, se exceder no vinho?! Eu falei coisas que não devia ter sequer imaginado! Você me perdoa, Silvia? Para mim era só um jogo, pensei que acabaria logo, jamais imaginaria que ele viesse a te pedir em casamento. E você aceitará essa proposta?
- Bem, eu...
- Por isso eu queria tanto conversar com você, Silvia, que bom que te encontrei hoje. Pode assumir que não é médico nada, você vai é se encontrar com ele, ele me disse que encontraria hoje com você e esclareceria tudo. Você está indo encontrar com ele, mas não termine com ele por mim, sim? Eu, uma velha esclerosada e ainda por cima tagarela!!
Maria não sabia mais o que – tentar – dizer. Alguns minutos antes era Maria, com dor de estômago, talvez gastrite, falta de amor, lhe diria sua avó, você fica trabalhando tanto, se esquece de amar. Agora era Silvia, protagonista de uma conturbada história de amor. Conturbada por uma sogra quase louca.
Finalmente a senhora parara de falar e estava a espera de uma resposta dela, Silvia, a amada. Mas como dizer que não era Silvia? Um equívoco, era Maria, uma estudante de gastronomia, sem sal, sem amores, sem prazeres, sozinha naquela cidadela e com uma insuportável dor de estômago.
Pela primeira vez ela fora confundida com alguém, e não era um alguém qualquer, era uma mulher amada, que seria logo pedida em casamento pelo Doutor Robson. Agora quem criava a história era Maria, ou melhor, Silvia; Doutor Robson era agente de coisas inúteis, filho de uma mãe extrovertida, mas muito confusa da memória e ele jogava futebol muito bem. Silvia conhecera Robson na faculdade, em uma festa de amigos em comum, mas a mãe não quis deixar que o amor, meio latente, um pouco áspero, se concretizasse e por isso o enviou para um mestrado e doutorado nos EUA. No entanto, quando se reencontraram em um congresso de gastroética, ela, estudante de gastronomia e de alterações nas fórmulas da batata palha e ele, estudante de ética nos finais de semana, se reconheceram, e o sentimento latente voltou. Não, dessa vez ninguém iria impedi-los, nem Dona Rosa, a temível senhora que toda vez que se embriagava de vinho tomava decisões desconcertantes. Não, dessa vez eles seriam felizes.
- E então, Silvia? - O olhar ansioso da senhora pedia uma resposta, uma palavra. Maria sorriu e abraçou Dona Rosa com força.
- Minha sogrinha! Seremos felizes!
Beijou-a e foi-se embora com o coração apertado porque estava atrasada para o médico, que talvez não fosse mais capaz de curar sua dor.

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Camilla Felicori gosta muito de cores.
camilla.felicori@gmail.com

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