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Amimurga Letra
Camilla Felicori
A quem a letra não urge? Considerando essa necessidade da escrita inerente a muitos, cá estão algumas letras que buscam cores como tratamento para dores diversas.

Laranja da Terra

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Ele chegou à praia às 18 e 32. A mesma praia que sempre gostava de visitar aos domingos pela tarde após visitar sua avó e antes de pegar o ônibus de volta à sua casa.

Após sentir-se querido e, além disso, gastronomicamente satisfeito, caminhava algumas quadras em direção contrária ao ponto de ônibus para sentir a brisa do mar e ver o sol ir embora. Alguns dias ele achava tudo aquilo tão bonito que sentia uma vontade quase incontrolável de sorrir ou chorar. Parava sempre no mesmo lugar, ao lado de uma pequena mata nascente em cima de um toco de árvore e ali ouvia o mar, sentia cada mudança de cores no horizonte, misturando laranjas, azuis, amarelos e roxos; tantas cores que pareciam multiplicar-se ao mesmo tempo em que a noite ia, aos poucos, diluindo-as e tudo escurecia.

Era isso que ele sentia e eram essas as lembranças daquele lugar. Mas nessa tarde de domingo as coisas estavam um pouco diferentes. Ele foi à praia com o coração apertado porque sua avó estava doente. Hoje era ele quem trazia a ela algo de comer, porque sempre deitada, não conseguia mais cozinhar.

Deitada na cama, seu rosto branco estava ainda mais pálido. Ainda sorria quase fazendo força para isso. Ele chegou cedo com uma cesta de frutas, deixou-a na cozinha e foi sentar-se ao lado dela. Não sabia o que dizer. Lembrava-se de outros tantos domingos felizes e de entardeceres multicoloridos mas hoje não conseguia dizer nenhuma palavra porque o que sentia era a dor que via transbordando dos olhos dela.

Nele doía seu corpo, seus braços, seu estômago. Queria e não queria estar ali ao lado dela. Queria muito segurar a sua mão, mas também sair correndo na velocidade máxima que aguentasse em direção a lugar nenhum ou a algum lugar desconhecido onde tudo fosse outro e ele fosse nada mais do que mera ausência.

Quando ela o viu entrar no quarto, disse com voz trêmula: {Oh, menino, não era para você estar aqui. Você é jovem e tem mais é que viver. Eu estou morrendo, você não deve gastar o precioso tempo de sua juventude aqui ao meu lado. Você tinha que ir embora, você, na sua condição de jovem deve ser feliz}. Dito isso, passou a mão no rosto de pêssego dele e ensaiou outro sorriso, com menos sucesso dessa vez .

Ele não teve palavras. Queria ficar lá, ao lado dela, como o fazia quase todos os domingos. {Eu vou ficar aqui com a senhora, vó}. Ele disse sem abertura para o diálogo. Ficaria ali, quer sua juventude esperasse ou não, ele ficaria ali, ao lado de quem ele tanto amava. Mas sabia que começava a ficar doente. Ele era assim, ficava triste, feliz e inclusive enfermo quando estava perto de alguém assim.

Passou o dia com a avó quase sem trocar palavras, apenas ficou ali, ao lado dela, fazendo pequenos favores e enchendo seu quarto de sua presença juvenil. Às 18h ele a beijou, despediu-se de D.Lara, que a acompanhava, e caminhou rumo à praia. Passos lentos e silenciosos, sentia-se distante dali.

Ao lado, algumas pessoas conversavam mas era como se não houvesse ninguém por perto. Era apenas ele e seu sentimento adoecido.

Subiu no toco de árvore sentindo o vento tocar seu rosto como o fizera a mão de sua avó algumas horas antes. Chorou vagarosamente. As cores mudavam-se assim como o ritmo das gotas das lágrimas; ele nada pensava, apenas sentia as cores, via o vento e deixava cairem as lágrimas como uma triste sinfonia.

Olhou para o lado e viu uma moça emocionada com aquele entardecer. Ela trazia nas mãos uma caderneta e uma caneta bicolor. Ao chegar ao local ela olhou para ele, que mostrava nada mais que sua perturbação. Logo ela mudava seu olhar, não sabia se mirava o entardecer ou o moço ao seu lado. Alguns minutos depois resolveu ir embora para casa escrever a história daquele moço triste.

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Camilla Felicori gosta muito de cores.
camilla.felicori@gmail.com

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