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Pequenas sutilezas cotidianas temperadas com uma dose de canela. Ou fragmentos da vida acompanhados de exagero crônico. |
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Nem a poesia
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Detestava qualquer todo dia excessivamente normal. Queria tudo novo de novo com freqüência maior que o resto do mundo. Por vezes se perdia em pensamentos e quase nunca queria pagar o preço do resgate. Ninguém entendia aquele menino, como era possÃvel ter descontentamento “com casa, comida e roupa lavada?†Sempre comparando a dor dele com a maior miséria existente, e mostrando que o tal não tinha motivos para o choro.
Quando faltavam deuses, recorria aos poetas. Quando nem esses respondiam, andava nas mesmas ruas, sem definir caminhos ou olhar para o relógio. Quando caminhar indefinidamente foi pouco, comia compulsivamente. Qualquer coisa esquisita, só para não ficar igual: jantava pipoca doce e biscoito recheado. E quando nem o estômago colaborava na resolução, optava pelo sono. Só ele traria o amanhã.
Pensava nas possibilidades do amor, sobretudo as que conhecemos após quatro copos de cerveja. E fazia conjeturas estranhas: “Adorar é mais que amar? Gostar muito parece mesmo pouco. Paixão pode durar para sempre?â€. Por vezes queria acolher o mundo, mas não tinha nem o mÃnimo necessário de quilos e coragem para ir ao banco de sangue mais próximo.
Mesmo tão confuso, era de uma graça boa para outras gentes. Que exceto um ou outro ataque de “esse lugar é injusto demais para mim†queriam tê-lo por perto. Também era de uma graça boa para ele mesmo. Tanto, que ao ser perguntado sobre a possibilidade de voltar em outro corpo, respondeu: “Quero voltar assim, desse jeito, só com o ‘pau’ um pouquinho maiorâ€.
-- Nara Mourão adora um sorriso largo, mas garante que o dela não passa de 32 dentes. narachamou@yahoo.com.br
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