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Amimurga Letra
Camilla Felicori
A quem a letra não urge? Considerando essa necessidade da escrita inerente a muitos, cá estão algumas letras que buscam cores como tratamento para dores diversas.

Decorado

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Sentado encostado na parede – branca – ele repassava todo o texto que pretendia dizer a ela. Texto de cor amarelo transparente, como óleo, que escorre da panela de carne quente. Dia quente, calor, suor. Pensava em seu texto decorado de palavras pré-cozidas.

Decorado como um verso de prólogo de peça de teatro, dessas que ele ensaiava quando jovem, ou melhor, menino, porque esse personagem era jovem, novo, aprendiz na arte de amar. Novato na arte de bem usar a língua para outros fins que não a comida. Isto é, o garoto era demasiado tímido e não conseguia falar o que devia nas horas apropriadas para mudar a cor dos olhos da mocinha que ele via o olhar. A mocinha, pobrezinha, ousava em decotes de cores e sabores dos mais variados e sorria para ele um sorriso tão claro que dispensava palavras. Nada autêntico seu sorriso, demasiado salmão, ou atum, para variar a metáfora. Sorriso enlatado, pronto para oferecer a qualquer um que aparecesse. O menino não gosta de sorrisos. Eita mulher que se expõe. Esses decotes, esses odores, essa poesia que quase saía de seus lábios. A menina que fogo que cor. O menino que fuga que dor. Encostado na parede ele repetia cuidadosamente cada palavra que pretendia pronunciar a ela, que bela. Diria olhando para o verbo, faria bonito e sorriria. A menina? Aí vem ela, de decote azul turquesa e brinco de gotas, gotas d’água. De águas, muitas, de lágrimas. O menino olhou para os olhos dela, olhos de mocinha. Olhar de cuidado. Que dor não saber o que dizer. Que dor esquecer o texto decorado. Ornado de silencio foi deixado, o menino, o garoto, o jovem. Roberto, Arnaldo e João. Maria, Adélia e Julinha.

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Camilla Felicori gosta muito de cores.
camilla.felicori@gmail.com

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