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A quem a letra não urge? Considerando essa necessidade da escrita inerente a muitos, cá estão algumas letras que buscam cores como tratamento para dores diversas. |
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Acabamento
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– Eu vou-me embora, preciso ir.
Ela disse com uma voz paradoxal, doce, mas áspera, como se algo a impedisse de dizer as palavras certas. Ela, que sabia tão bem utilizá-las. Olhou para ele, que – como sempre – olhava para o infinito, o instinto, o mundo, o outro, as cores das roupas que passavam, mas não para ela, toda vestida de roxo. Ele não olhava, mas pensava nela, naqueles lábios tão únicos, tão dela, naquele sorriso nervoso, doce pele de pêssego de Sávia.
Olhou para o chão e enxergou-o preto, parecia que não o limpavam. Sujo, assim como seus pensamentos. Mas não sujos de não-pureza, e sim de poeira mesmo, pensamentos empoeirados pelo tempo. A doce imagem saviana, que lhe habitava, lhe pedia atenção, mas ele fugia para dentro de si. Deveria dizer algo. Mas doÃa tudo. Ela parecia pedir que ele desviasse o olhar. Ele, que definitivamente não gostava de roxo. Ela, toda roxa e distante, toda indo embora até o infinito, que é da cor da noite.
– Vai para onde? – perguntou finalmente, ainda sem mirá-la.
– Para lon.... Para um lugar onde eu possa ficar bem perto de mim.
Sávia o complicava. Ela voltava ao hábito de falar bonito sem nada dizer, ou era ele que não compreendia?
– Vai para onde? Longe de quem?
Na verdade ele queria dizer perto, ato falho, longe dele, longe do olhar perdido, longe de cores vivas e tortuosas, ela diria. Mas não disse.
Quanto tempo? Perguntaria? Quanto tempo!? A noite, a noite!! Noite combina com roxo, ele pensava... Ah!!! Sávia o fazia pensar sempre em amarelo vivo, amarelo vida, mas a Sávia de hoje era toda fosca, parecia de pedra. Talvez por isso não pudesse olhá-la. Depois pensou que lon... ge poderia ser Londres, até que nem era tão perto, definição de longe depende da união dos pensamentos. E ele continuava preso a Sávia, toda pêssego.
Ela levantou-se, passeou entre os jardins, ele permaneceu ali, sentado. Percebeu uma formiga vermelha e observou seu trajeto um pouco confuso, sem saber aonde ir. Quando ela voltou, com uma margarida nas mãos, buscou o foco de atenção dele.
– Formiguinha vermelha – disse ela.
– É....
– Parece perdida. Mas eu já tentei uma vez mostrar o caminho para ela, ou melhor, para uma outra formiga, ela se perdeu, se quedou ainda mais confusa, atrapalhei sua busca.
– ...
– O que se passa comigo é isso. Preciso ir para ver se me encontro, me perdi, e por mais que tentem me ajudar, me sinto cada vez mais roxa. Vontade de mudar tudo, mudar sorrisos e abraços, mudar o mundo. Vejo que o problema sou eu comigo. Preciso ir. Não sei se volto.
Espero que volte. Ele pensou, silencioso, mas não disse, não queria atrapalhar a busca dela. A margarida já estava despedaçada e o coração dele doÃa por completo. Queria abraçá-la bem forte, mas o roxo o expulsava de perto dela. Aversão à cor? Não, repulsão à ida dela, Sávia de cores intensas, Sávia de amarelo vivo. Sem perceber ela tirava aos pouquinhos o pouco que ainda restava dele. Ela, que brincava com os sentimentos alheios assim como brincava com as palavras. Melhor que fosse embora. Deixasse-o ali, perdido em busca de doce de pêssego. Não era época de colheita. Para ele nunca era época de colheita, sempre época de plantio. Plantava cores, mas nada colhia e, por isso, sentia-se sempre preso a si, preso ao seu corpo azul de frio, azul de dores. Ele, que nunca dizia nada que pudesse lhe salvar, tentou formular uma frase qualquer antes da partida. Mas sentia-se oco, sem idéias, sem lágrimas, sem cores, perdido como a formiga.
– Não tenho uma frase para te presentear – ele disse – gostaria de te dar de presente uma frase bonita, mas não consigo pensar direito quando sinto dor.
DoÃa nela também. Mas ela não disse. Talvez isso seria o que mais doiria nele nos próximos tempos, nas próximas lembranças dela. Ela levantou o queixo dele, colocou-o olhando para ela, mão macia de leite, ele pensava. Sorriu triste um sorriso qualquer. Sorriso qualquer porque doÃa muito ainda. Queria gritar que ela fosse logo então, deixasse-o lá, perdido entre tantas cores obscuras e foscas. Mas nada mais falou. Ela sentiu o celular tocar. Enquanto atendia ele passeava entre os jardins, tão sem flores. Ele foi-se embora então. Deixou sua dor com ela. Roxa e sem o abraço de despedida.
Começo
-- Camilla Felicori gosta muito de cores. camilla.felicori@gmail.com
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