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Overdose Só pra contrariar

Veja antes. Odeie depois.

por Daniel Oliveira

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Cinema não deveria dizer às pessoas como pensar. Deveria convidá-las a pensar. Muito menos tentar interferir diretamente em cenários sócio-políticos reais. O cinema pertence ao universo do sonho – e trabalhar com essa matéria escapista é a melhor forma de acordar as pessoas.

Só que não adianta. Vira-e-mexe, um sujeito vai pegar uma câmera e sair gritando imagens explosivas que ‘abrem os olhos’ e mostram às pessoas como enxergar o mundo. Qualquer um com mais de dois neurônios vai ficar fulo da vida, mas o fato é que alguns desses filmes têm méritos incontestáveis. São aqueles que você tem que ver, nem que seja para odiar depois. O Pílula Pop fez uma lista dos 10+ indispensáveis dentre eles.

Única e exclusivamente para você discordar, é claro.

Os equivocados

De boas intenções, meus queridos, o inferno está cheio.

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Fotos:

1- Nascimento de uma nação (The birth of a nation, EUA, 1915, dir. David W. Griffith)


Griffith, o inventor. Da bola-fora.

Virtude? Dois casais belos, brancos, heróicos e sulistas são separados pela Guerra de Secessão norte-americana do século XIX. Mas a guerra não é nada perto do inferno instaurado pelos ‘negros loucos’ após seu fim. Vício? Os negros são rebeldes subversivos, que raptam a mocinha (Lílian Gish, antepassada de Julia Roberts e Reese Witherspoon) a ser salva pelos heróis da...Ku Klux Klan. Por que ver? Porque o filme desenvolveu e institucionalizou o que hoje se conhece como ’cinema’ - ou, ao menos, como linguagem cinematográfica clássica. O que Griffith realizou tecnicamente há quase 100 anos é impressionante até hoje.

2- Triunfo da vontade (Triumph des willens, Alemanha, 1935, dir. Leni Riefenstahl)

Virtude? Documentário-registro da ascensão do Partido Nacional-Socialista na Alemanha dos anos 30, com participação de Hitler, Goebbels e toda aquela galerinha legal. Vício? Bem, o documentário foi encomendado pelo Führer e é favorável ao regime, exaltando valores nazistas. Por que ver? Riefenstahl é considerada uma realizadora técnica impecável. A forma como ela monta o documentário e mostra o poder dos discursos de Hitler sobre as pessoas é digna de nota. Mas o mais impressionante é a qualidade da fotografia, refletindo a idéia nazista de perfeição estética – em enquadramentos que inspiram cineastas até hoje.

Os indelicados

O elefante branco estava muito bem ali, no meio da sala, sem ninguém mexer com ele.

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Fotos:

3- JFK – a pergunta que não quer calar (JFK, EUA, 1991, dir. Oliver Stone)


Kennedy, o desmiolado.

Virtude? Um promotor de New Orleans (Kevin Costner) investiga o assassinato do presidente Kennedy e descobre segredos/especulações que muitos não querem ouvir. Vício? Oliver Stone é conhecidamente esquerdista e seu posicionamento político claramente suporta os pilares da teoria da conspiração mostrada no filme – que pode até ser verdade, mas infelizmente não pode ser provada. Por que ver? JFK reúne um dos melhores momentos de Stone como diretor e Costner como ator. Além da belíssima fotografia de Robert Richardson (O aviador, Kill Bill) e um elenco coadjuvante que inclui: Tommy Lee Jones, Kevin Bacon, Gary Oldman, Sissy Spacek, Jack Lemmon, Walter Matthau e Donald Sutherland. Quer mais?

4- Tiros em Columbine (Bowling for Columbine, EUA, 2002, dir. Michael Moore)

Virtude? Moore investiga as raízes por trás do fenômeno de tiroteios em colégios nos EUA, através da análise da obsessão armamentista do país e da facilidade da aquisição de armas. Vício? O documentarista recorta dados, constrange pessoas, arma situações e aparece em frente às câmeras como o baluarte da justiça. Por que ver? Vencedor do Oscar, Columbine toca em assuntos que ninguém queria mencionar, revela o poder da indústria armamentista nos EUA e no mundo, além de, pela primeira vez na história, trazer o interesse popular ao gênero documentário. Vale a pena amar odiá-lo.

5- Tropa de elite (Brasil, 2007, dir. José Padilha)

Virtude? Análise da fenomenal escalada da violência no Brasil, através de três personagens ficcionais envolvidos no Bope, o Batalhão de operações especiais da polícia do Rio de Janeiro. Vício? O filme aborda tantos vértices da situação sócio-política brasileira, que alguns acabam ficando apenas na superfície. Por que ver? Porque é um fenômeno social. Porque é um fenômeno cinematográfico. Porque alguma coisa que você já fez na vida provavelmente vai aparecer ali e te questionar sobre o papel no caos em que se encontra o país. E porque pode te levar a assistir a “Ônibus 174”, primeiro longa de Padilha e verdadeira obra-prima do documentário e do cinema nacional.

Os manipuladores

Até onde você iria? É de lá que eles começam.

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Fotos:

6- Irreversível (Irréversible, França, 2002, dir. Gaspar Noé)


Bellucci, a obscena.

Virtude? Um casal (a bela Monica Bellucci e seu marido Vincent Cassel) saem para a balada na noite. Ela é estuprada e ele parte numa busca insana por vingança. Vício? Exploração gráfica. Exploração gráfica. Exploração gráfica. Oito minutos numa cena de estupro, orgias, miolos estourados, Bellucci e Cassel nus. Por que ver? Porque vai te deixar com mil perguntas após a sessão. Dentre elas se a exploração gráfica do item anterior é gratuita ou não. Se o filme faz apologia à violência ou não. E se o franco-argentino Gaspar Noé é um realizador de vanguarda ou um mero sadista com um ótimo operador de dolly.

7- Dogville (França/Alemanha/Holanda/Dinamarca/Suécia/Noruega/ Finlândia/UK, 2003, dir. Lars Von Trier)

Virtude? A bela e inocente Grace chega a Dogville, fugida do pai mafioso. Lá, ela é bem recebida e adotada pelos habitantes – até eles se tornarem abomináveis, mesquinhos e sádicos. Vício? Lars Von Trier é um mestre da manipulação do público e da exploração do lado mais asqueroso e desprezível do ser humano. Essa é sua matéria-prima e ele se diverte a valer com ela em cenas repugnantes e personagens maniqueístas. E o filme é parte de uma trilogia sobre os EUA, país que ele mesmo declarou nunca ter visitado. Por que ver? Porque vai te fazer pensar e desejar coisas que você nunca pensou que poderia. Porque é um exercício de realização brechtiano impecável de Von Trier. E porque Nicole Kidman nunca esteve melhor.

8- Crash (EUA/Alemanha, 2004, dir. Paul Haggis)

Virtude? O estudo, em larga escala, do isolamento urbano e perda do contato humano; e, especificamente, do preconceito em Los Angeles. Vício? Haggis é colega de Von Trier na manipulação emocional e na máxima exploração melodramática das cenas. Nem que para isso ele tenha que simplificar bastante uma situação bem mais complexa do que seu filme consegue abranger. Por que ver? Porque, amando ou odiando, Haggis escreve e amarra cenas de acabar com suas unhas e te fazer levantar da cadeira para tentar pará-las. Há muito tempo, Hollywood não via alguém manipular o suspense com tanta facilidade. E o elenco é muito bem escolhido.

Os panfletários

Pense como eu. Vote como eu. Aja como eu. Ou melhor, só vote e aja.

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Fotos:

9- Fahrenheit 11 de setembro (EUA, 2004, dir. Michael Moore)


Carinha da gravata azul no fundo, o Geninho.

Virtude? Olha ele aqui de novo. Moore investiga as pontas soltas do governo Bush-filho, desde a eleição roubada até os interesses escusos da guerra do Afeganistão/Iraque. Vício? Sabe o primeiro documentário de Moore, “Roger e eu”, que se baseia todo no fato de que ele não consegue falar com o tal Roger? Pois é, ele falou. E quando a revista Premiere descobriu, ele pediu para eles não contarem pra ninguém. É o tipo de coisa que Moore faz para conseguir seus objetivos. Essa manipulação de informações e dados está por todo lado neste espetáculo pop e popular do ridículo cenário político norte-americano. Por que ver? Porque Moore fez o filme para impedir a reeleição de Bush e não conseguiu. Passada essa motivação megalômana, vale a pena conferir o longa, bastante divertido, e com vários questionamentos interessantes e necessários no meio de sua propaganda sensacionalista politiqueira.

10- Caminho para Guantánamo (The road to Guantanamo, Reino Unido, 2006, dir. Michael Winterbottom)

Virtude? Conta a história real de quatro jovens ingleses confundidos com terroristas no Afeganistão pós-11 de setembro, que acabam indo para a famigerada prisão de Guantánamo, em Cuba. Vício? Não satisfeito em realizar um documentário com os personagens, Winterbottom intercala os depoimentos com a encenação dos episódios narrados, melodramatizando ainda mais uma história bem melodramática. Por que ver? Porque o que aconteceu com Asif, Ruhel, Monir e Shafiq é a prova de que algo deu muito errado, que o quão irracional o ser humano pode ser é assustador e que o mundo hoje está bem próximo de um pesadelo surrealista.

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