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As cerejas e a framboesa

Top top – o que de melhor (e pior) rolou no festival

por Daniel Oliveira e Rodrigo Campanella

Fotos: Divulgação

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Top 5

por Daniel Oliveira

Meninos Chave (Schusselkinder – Friederike Jehn, Alemanha, 2004)

Em primeiro lugar, que tradução é essa? O “kids†do título em inglês (Latchkey kids) deste curta alemão se refere aos irmãos Katleen e Torben, cuja mãe é repórter de uma revista de turismo que vive viajando, deixando-os sozinhos em casa. Aproveitando a “liberdadeâ€, os dois mantém um quente caso amoroso. Essa espécie de “Edukators†ao avesso é um filme sem falsos moralismos, retrato simples e bem dirigido de uma juventude sem qualquer ideal ou valor a ser mantido. Katleen e Torben não precisam prestar contas a ninguém, a não ser eles mesmos.

E é aí que sua imaturidade vai desencadear o conflito narrado pelo diretor Friederike Jehn. Ele usa o branco na fotografia e na direção de arte, como reflexo da ambiente etéreo em que os dois irmãos vivem, sem contato com os “preceitos†do mundo exterior. As interpretações – principalmente do casal protagonista – estão de acordo com o tom do filme. E, fechando com chave de ouro (sem trocadilho), Jehn usa a trilha sonora como elemento de ligação entre os personagens – então quando Katleen começa a escutar o CD de um colega de trabalho em detrimento dos seus, Torben sabe o que aquilo significa. De quebra, as músicas são muito boas. Nem precisava. Diretor, fotografia, elenco e trilha afinados. Conjunto raro de se encontrar neste festival.

Maestro (Gèza M. Tóth, Hungria, 2004)


"Maestro": quatro minutos certeiros

Foi para filmes assim que o curta-metragem surgiu lá nos idos do séc. XIX. Em quatro minutos, essa animação húngara faz bem mais do que muito curta com mais de 20 minutos tenta, tenta e não consegue. Dirigido por Gèza M. Tóth, “Maestro†utiliza o recurso da tridimensionalidade de forma metalingüística para contar a história de um passarinho “tenorâ€, em que o tempo é um conceito de fundamental importância. A câmera gira durante quase todo o filme, revelando o cenário (em 3D, óbvio) e passando a idéia da passagem ininterrupta do tempo. O cenário é bem construído, as cores são bem utilizadas, a idéia é boa e bem realizada, o final é surpreendente e engraçado. Precisa do quê mais? Ponto pra Hungria.

Vida monótona (Flatlife – Jonas Geirnaert, Bélgica, 2004)

Animações foram o forte deste festival. Não é à toa que nesta minha seleção dos meus cinco melhores, três são animações. É incrível como animadores têm idéias geniais e conseguem construir um mundo inteiro, mesmo que em um único cenário onde tudo pode acontecer, para realizá-las. Nesse “Vida monótonaâ€, do belga Jonas Geirnaert, acompanhamos a vida de quatro moradores de um Flat service (trocadilho com o título original, “Flat lifeâ€), que não conseguem pensar em nada, a não ser seus próprios problemas. Eles representam a solidão e o isolamento moderno (nada melhor que um flat para falar sobre isso) e, mesmo que interfiram o tempo todo na vida um do outro, não conseguem perceber isso. O único morador que constantemente ajuda os vizinhos só esta preocupado em dispensá-los rapidamente para ver TV.

A monotonia da vida desses personagens é marcada por uma pintura de um vaso marrom feita por um deles e que tem uma cópia em cada apartamento. Geirnaert desenha um plano em que se assiste simultaneamente ao cotidiano desses quatro personagens através de suas janelas, sem deixar o espectador perdido ou confuso, resultado de uma ótima direção e da boa utilização do som com efeito cômico. Conceito simples e muito bem humorado, que arrancou risadas do público e faz pensar sobre nosso isolacionismo como metáfora do isolacionismo de algumas nações por aí.

Veja & Ouça Maria Baderna do Brasil (André Francioli, Brasil, SP, 2005)

Simplesmente o único curta brasileiro com colhões. Quer saber de alguém que tenha coragem de mandar a revista Veja, a Xuxa e o esquema “muy amigo†das Leis de incentivo tomarem no cu em um único filme? Então conheça André Francioli, paulista diretor desse curta. Ele faz uma homenagem ao cinema marginal dos anos 70, em especial ao diretor Rogério Sganzerla (de filmes como “O bandido da luz vermelhaâ€), sem copiar ou ser reverente. Aliás, tudo o que Francioli faz nesse curta é ser irreverente. Segundo ele mesmo, “Veja & ouça...†é um documentário picareta, mentiroso e sensacionalista sobre a chegada da bailarina italiana Maria Baderna no Brasil, em meados do século XIX, e de como seu sobrenome ganhou a conotação que conhecemos hoje.

O diretor consegue relacionar o movimento integralista à revista Veja, ser político sem ser panfletário e utilizar uma encenação circense e caótica, mas deixando o público bem ciente do que ele quer dizer. A edição segue à risca o ritmo frenético do cinema marginal e ele ainda conta com a participação especial do rei do cinema nacional: Paulo César Pereio. Sensacional. O curta nacional que me fez mexer na poltrona.

Vinil Verde (Kleber Mendonça Filho, Brasil, PE, 2004)

Essa escolha era fácil. Já tinha visto “Vinil verde†no Festival de Tiradentes deste ano e achado o melhor curta-metragem exibido. O filme, dirigido pelo pernambucano Kleber Mendonça Filho (editor do site cinemascópio), conta a história de Mãe, que dá à Filha uma caixa com velhos vinis de músicas infantis, dos quais a filha só não pode escutar o vinil verde, de forma alguma. Macabro, sinistro e assustador – é isso que se pode dizer desse curta.

O filme é realizado com montagem de fotografias e narrado em um clima “contos da criptaâ€. O roteiro é adaptado de uma fábula russa e parece uma metáfora do amadurecimento da criança, que percebe que não mais depende inteiramente de sua mãe e começa a tomar atitudes próprias. A interpretação da pequena atriz Gabriela Souza, mesmo que só nas fotos, é impressionante. Eu, oficialmente, tenho medo toda vez que escuto a fatídica musiquinha: “Nós somos as luvas verdes, a gente vem te pegar...â€

Top 5

por Rodrigo Campanella

Felicidade (Emerson Schmidlin, Brasil, PR, 2004)

Um homem e uma mulher, nus, no meio do mar. Cada um cima de uma pedra, separados por alguns metros de distância, berrando como é ‘mais e mais feliz’ que o outro. “Eu tenho uma filha que me ama, eu não sei o que eu fiz, meu deus, para merecer uma filha que me ama tantoâ€, ele diz. “E eu? Eu carrego a vida dentro de mim. Germino dentro de mim uma nova vida, não sei o que fiz de tão bom para merecer isso!â€, ela responde.

Os diálogos não são fiéis aos do filme, mas acontecem quase assim. Cada um articulando felicidade como um objeto para se tacar na cabeça do outro. Felicidade objetiva, felicidade transformada, ela mesma, em objeto de consumo.

Poucos filmes são tão felizes em converter suas idéias para o campo das imagens. Nesse, a impressão do que se tem na tela é a dois animais selvagens usando o discurso do mais feliz como um tacape na cabeça do outro.


Cena de "Felicidade", um dos top tops do festival

O que surge é uma vontade imensa de que uma pedra gigante caia sobre aqueles dois e os esmague, rapidamente. O diálogo, bem construído, ecoa rispidamente uma animada festa de família, um tentando mostrar ao outro como conquistou uma vida ideal. E quanto mais a vontade de esmagamento cresce, maior é a certeza da conquista do filme, bem superior a seus parcos minutos.

Da Janela do Meu Quarto (Cao Guimarães, Brasil, MG, 2004)

Logo que acaba “Da Janela...†alguém na platéia de trás diz: duvido que não tenha tido trucagem. O que acabara de ser visto na tela eram as imagens de dois meninos brigando num campo aberto em frente a uma casa de roça, filmados de uma janela qualquer num andar superior. Só isso, realmente. Possivelmente um plano-sequência, picotado aqui em vários planos que às vezes parecem não ser muito lineares. Mas isso deixa de ser importante.

O curta não é uma experiência narrativa, mas uma experiência de tempo. Gravado com câmera de mão, toda a luz estoura e se enche de grãos quanto transposta para a película padrão, de 35mm. Sem som ambiente, a trilha sonora do grupo O Grivo, se limita a jogar sons aleatórios de alguma roça perdida à beira da mata em meio a um mar de silêncio. Enquanto esse cenário preenche olhos e ouvidos, dois meninos brigam na tela. Brigam/brincam, se jogam no chão, empurram, riem. ‘Brigam amorosamente’, como define tão bem a sinopse do filme.

“Da Janela...†parece conseguir por alguns minutos abrir uma brecha em meio a esse universo recheado de imagens por todas as brechas e fazer poesia, trazendo um cinema de tempo em movimento. É preciso paciência, é preciso persistência e é preciso desaceleração para degustar um curta do tipo. Com certeza, compensa.

A Explicação (La Explicación - Curro Novallas, Espanha, 2005)

A mulher, sentada, ouve. Na frente dela, numa série de pranchas de papel, seu marido/namorado Marcos explica suas reclamações. A cebola esquecida na geladeira, o modo de apertar a pasta de dentes, o sexo oral menos freqüente. “Você não me ama maisâ€, ele tenta se explicar.

Mas a explicação real não é essa e tudo fica implicitamente claro desde o primeiro minuto. Sem grandes arroubos de invenção, um casal num apartamento um pouco desorganizado, seus corpos e as pranchas de papel, são mais do que suficientes para falar do amor, e da falta que ele faz.

Bem dialogado, risonho nas idiossincrasias de que Marcos reclama, “A Explicação†acaba não com um suspiro mas com um entalo na garganta tentando sair. Não basta falar, ainda é preciso chorar um tanto. O cinema americano, que tanto tenta livrar seus protagonistas de casamentos fracassados e joga-los em amores perfeitos, nunca entenderia isso daqui. Que talvez seja necessário chorar muito pelo que se vai. E dançar outro tanto depois.

Dez Minutos (Diez Minutos – Alberto Ruiz Rojo – Espanha, 2004)

Se televisão fosse bem feita, provavelmente uma parte dela pareceria com esse curta. Um homem liga para o SAC da companhia telefônica de seu celular. Quer saber um dos últimos números discados de seu próprio celular: onde está sua mulher, esperando pela partida para uma viagem de mudança. Arrependido, decidiu ir junto. Mas, a atendente informa, a informação está disponível.

Libelo risonho e simples contra a burrocracia que parece tomar conta das relações no mundo atual (o número viria explicitado na conta dele, a ser recebida em alguns dias), Dez Minutos não deixa a atenção do público cair nem por um momento, alternando o humor e o melodrama satirizado para manter no ar a tensão. Ele tenta convencê-la a dar o número, mas quase tudo o que recebe são monossilábicos ‘Nãos’ Em dez minutos a ligação será automaticamente cortada e todo o esforço por convencer a atendente irá por água abaixo – outra das dezenas de funcionárias é que atenderá a ligação seguinte, fazendo tudo começar do zero novamente.

Alternando unicamente planos do homem em seu apartamento e da atendente do outro lado da linha, Rojo consegue manter o humor mesmo diante do absurdo e do desespero da situação, mantendo o filme distante de qualquer classificação fácil – tanto de riso quanto de lágrima. Kafka poderia estar com um sorriso de canto de boca ao ver o filme, talvez confuso pelo ritmo, apaixonadamente, latino.

Obras (Obras – Hendrick Dusollier, França, 2004)

Numa tomada única em computação gráfica, Dusollier mostra a demolição completa e a reconstrução ‘limpa’ da cidade de Barcelona. O que antes era um caos de blocos de prédios e casas, caos vivo de movimentos humanos, é jogado no chão. Tomando seu lugar surge uma série metódica de edifícios e avenidas, hermeticamente distantes uns dos outros.

A demolição é vista e, especialmente, ouvida em toda sua força e faz pensar depois como a reconstrução não difere tanto da destruição, em termos de sons e desordem. Do começo ao fim, Barcelona é posta abaixo, em termos de qualquer vida que possa haver numa cidade, ainda que em metade da obra as paredes estejam subindo e não indo ao chão.

A proposital falta de organização das imagens que tomam a tela e seus ângulos ajudam a compor a sensação de falta de referências e de orientação que a ‘reconstrução’ da cidade traz. A memória, os lares, os marcos, tudo é tombado rapidamente dando lugar a um plano urbano ‘sadio’ e ‘limpo’, que as imagens teimam, felizmente, em negar. Obras talvez seja a mais sonora realização de protesto do festival ainda que muita gente não entenda o jogo das imagens, por a cada dia, estarmos mais midiaticamente ansiosos pela idéia de uma cidade geométrica e perfeita, e afastados da cidade, sempre caótica, real.

Framboesa de Ouro

Troféu máximo “O que é isso?!?!â€

Wragda (Frederico Cardoso, MG, 2004)

-Wragda é o filme mais wannabe do Festival.

-Mas wannabe o quê?

-Deixa eu ver. Wannabe A Bruxa de Blair, wannabe um suspense bacana, wannabe experimental. E acima de tudo, wannabe um filme.

Digno exemplar da categoria “tive uma oficina de vídeo ontem e hoje vim fazer um filmeâ€, Wragda parece não ter a mínima noção de que existe algo chamado roteiro e de que existe em DVD certo disquinho chamado “A Bruxa de Blairâ€. A questão do roteiro ainda tenta ser amenizada pela estrutura 'nebulosa' em que o filme se desenvolve. Besteira. Wragda parece indeciso entre gerar o susto, rir do susto que poderia criar ou realmente jogar tudo no lixo e ver o que acontece depois de três dias. As atuações não são horríveis porque os atores parecem estar participando de uma brincadeira (não muito divertida para eles também, por sinal) e não se esforçando para fazer algo próximo de atuar.

Qualquer diretor do extinto Cine Trash ficaria envergonhado com aquela aspiração de vilão que aparece em certo momento, zombaria até mesmo para algo ruim feito de boa vontade. Na dúvida entre ser realmente uma piada muito mau-feita ou um erro grosseiro de idéias e direção, fica a dúvida de como algo como Wragda passou na seleção do Festival e conseguiu a proeza de entrar na competitiva. Pesa contra isso ainda o fato do filme ser mineiro, num festival acontecendo na capital de Minas. O fime de Frederico Cardoso é a obra errada, no ano errado, na mídia errada. Da trilha sonora à abertura, fica aquela sensação chata de vergonha alheia. Fica até chato não desejar um “melhor sorte da próxima vezâ€.

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