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A viagem do Artista

17.11.09

por Mariana Souto

Hotel Atlântico

(Brasil, 2009)

Dir.: Suzana Amaral
Elenco: Júlio Andrade, Mariana Ximenes, Gero Camilo, Emerson Danesi, Renato Dobal, João Miguel

Princípio Ativo:
desesperança crepuscular

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Li numa entrevista que Suzana Amaral considera “Hotel Atlântico†um filme para levar para casa e descascar. E ainda que tenha saído do cinema com uma sensação desagradável, me vi, de fato, pensando no filme por alguns dias.

“Hotel Atlântico†é um road movie em que um jovem personagem sem nome - às vezes chamado de Artista por ter feito alguns papéis no cinema e na TV - viaja pelo sul do país, deparando-se com pessoas e situações estranhas, por vezes absurdas e insólitas. Como quase todo road movie, trata-se de um estudo de percurso - em vários sentidos - mas aqui o objetivo é mais sair de um lugar do que chegar a outro.

A narrativa é fragmentada, a temporalidade parece fluir, mas não exatamente avançar. O filme é um conjunto de situações meio sem rumo, como se o protagonista estivesse à deriva, vivendo experiências e encontros – quase sempre mal-sucedidos. Lembra a prisão no universo quase paralelo de “Depois de horasâ€, do Scorsese, com o clima soturno e pesado que remete a “Bicho de sete cabeçasâ€, de Laís Bodansky.

O filme de Suzana Amaral soa pessimista, como se não acreditasse na generosidade humana. Praticamente todos os personagens se revelam pervertidos, macabros ou mal-intencionados, esperando o momento de passar o protagonista para trás. Ele mesmo, aliás, está longe de ser um herói. Até que chega um ponto em que as coisas parecem mudar e surge o único personagem aparentemente bondoso da história. Mas o final logo nos devolve a um estado de dúvida.

Com diversos simbolismos e elementos abertos à reflexão, “Hotel Atlântico†é mesmo um filme para mastigar e digerir aos poucos. Pensa sobre o papel do artista, e mais especificamente do ator, nesse caminho camaleônico sem fim em que o protagonista se transforma a cada encontro, de acordo com a pessoa com quem se relaciona. Ele (literalmente) veste outras identidades e as incorpora conforme a situação – marido, padre, sequestrador - e parece (literalmente) perder partes de si nessa jornada.

Apesar da concisão da linguagem e da estética econômica, não se trata de um filme fácil nem simples. Por um lado, a descrença na humanidade somada à estética lavada e cinzenta me provocou uma sensação permanente de incômodo, mal-estar e, sobretudo, falta de perspectiva. Por outro, fiquei impressionada ao descobrir que Suzana Amaral tem 77 anos, começou a faculdade de cinema aos 37, com 9 filhos, e produziu um filme ousado, reflexivo e tão diferente do nosso panorama tradicional. É como se “Hotel Atlântico†fosse, ao mesmo tempo, desesperança nos homens e esperança no cinema.

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