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A última direção de cinema

04.12.09

por Daniel Oliveira

Abraços partidos

(Los abrazos rotos, Espanha, 2009)

Dir.: Pedro Almodóvar
Elenco: Lluís Homar, Penélope Cruz, Blanca Portillo, José Luís Gomez, Tamar Novas, Rubén Ochandiano, Lola Dueñas, Chus Lampreave

Princípio Ativo:
a paixão pelo cinema e pelas atrizes

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Dentre os filmes recentes de Pedro Almodóvar, “Abraços partidos†tem o roteiro mais fraco. Comparado à pungência de “A má educação†ou à maturidade de “Fale com elaâ€, o longa inevitavelmente empalidece, relegado ao grupo de “produções menores†do diretor espanhol.

Mas, parafraseando Paulo Emílio Salles Gomes, um filme médio de Almodóvar é melhor que 90% da produção atual. Com sua direção forte e segura, a história do roteirista Harry Caine (Homar), que recorda sua última produção como diretor antes de ficar cego, quando se apaixonou por sua protagonista Lena (Cruz), é - para aqueles que confiarem e se entregarem ao seu complexo emaranhado - uma experiência recompensadora.

Falhas existem. Seja a revelação de paternidade darthvaderiana no (excessivamente longo e anticlimático) terço final do filme. Ou Ray X (Ochandiano), um personagem ferramenta pobre e esquemática do roteiro, além de caricatura grosseira. Seja o sumiço dos pais de Lena. Ou o espaço exagerado dado a Judit (Blanca Portillo, ótima) e Diego.

São personagens demais.

Nada que a maturidade e a narrativa visual do cineasta não consigam contornar. Metalinguístico e almodovariano por excelência, “Abraços partidos†é uma homenagem ao ofício-paixão de fazer cinema e à arte de atuar. O longa é um romance entre um homem-cineasta, que se torna impossibilitado de dirigir quando perde a capacidade de amar; e uma mulher-atriz, que atua para o marido que não ama e vive plenamente apaixonada diante das câmeras.

Cinema, para Almodóvar, é a vida colorida com paixão. Um não existe sem a outra. E se o espanhol está mais contido aqui, não é por timidez e sim porque a experiência permite que seus simbolismos sejam tão sutis quanto eficientes. O idilio de Harry e Lena na ilha de Lanzarote, sob o agouro da areia negra e da tristeza de “Werewolf†de Cat Power, é uma das sequências mais melancólicas e sóbrias da carreira do diretor. E a cena da escada resume com a perfeição clássica o relacionamento de Ernesto e Lena – ele a levou ao topo e pode tirá-la de lá.

E há, é claro, Penélope Cruz e sua Lena. “Abraços partidos†tem vários problemas, mas nenhum deles tem relação com ela. Mais uma das mulheres almodovarianas, a personagem é a declaração de amor do cineasta às atrizes que dão vida à complexidade e à paixão que ele tanto preza. Quando Lena entra em uma sala e dubla sua própria fala, por cima de uma leitora de lábios (uma piada essencialmente Almodóvar), o diretor contrapõe, nas duas mulheres, a diferença entre a vida com paixão (do cinema e da atriz); e a realidade morta (da ausência de amor e da arte).

Pouc(quíssim)os diretores têm algo tão belo a dizer – e o dizem de forma tão cinematográfica.

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