Escola Coutinho.doc S/A
29.01.06
por Daniel Oliveira
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Morro da Conceição
(Brasil, 2005)
Dir.: Cristiana Grumbach
Princípio Ativo: Memória
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Se a Bossa nova consagrou “um banquinho, um violão, um amor e uma cançãoâ€, o documentarista Eduardo Coutinho criou “um banquinho, uma câmera, um microfone e muita história†para fazer feliz a quem o assiste. O formato de “EdifÃcio Masterâ€, “O fim e o princÃpio†e “Peões†é o usado neste “Morro da Conceiçãoâ€. Só que quem está por trás das câmeras não é ele, e sim a estreante Cristiana Grumbach.
A diretora sobe o morro-tÃtulo, um dos primeiros bairros do Rio, construÃdo basicamente por portugueses, para entrevistar os moradores mais antigos do local – todos com mais de 80 anos. Ela abre seu microfone e sua câmera para falas que misturam histórias de famÃlia, memórias pessoais, momentos históricos do paÃs e a nostalgia de uma época e seus costumes.
O resultado, perdoem-me o chavão, é de aquecer a alma. Alguns momentos são cômicos – como o senhor que admite ter tentado matar um homem que agrediu sua mulher, mas não conseguiu porque o sujeito saiu correndo, foi atropelado e morreu. Outros dramáticos, como a senhora que deseja que a mãe, que ela nunca conheceu, a viesse buscar quando ela morresse. Mas são todos muito cheios de vida, espontaneidade e emoção – contando com uma força especial, vinda dos rostos enrugados dos entrevistados.
Os tais enquadramentos simples, à la Coutinho, ganham contornos próprios em alguns casos. Por exemplo, a parede descascada atrás de uma entrevistada que, de certa forma, tem a mesma textura do seu rosto, criando uma bela rima visual. Ou o movimento da casa de outro depoente, em que as várias pessoas parecem ignorar a presença do velho ali, mesmo ele sendo o centro das atenções de um filme – mensagem sutil e precisa do filme de Grumbach.
A documentarista realiza um ensaio sobre a memória, sobre a vida que se acumula no coração e na mente das pessoas. Pode ficar a dúvida: ela é ou não uma Eduardo Coutinho wannabe? A resposta está em um único plano do filme, quando a diretora registra o exato momento em que uma das entrevistadas pára de falar, por alguns minutos, ao lembrar de sua mãe. Cristiana não diz nada. Não pergunta nada. Simplesmente respeita e capta o momento introspectivo daquela senhora. A delicadeza e a emoção que ela consegue nessa cena mostram que a cineasta busca ser bem mais que uma simples imitação. Que bom.
Marcas da idade, retratos da memória
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