Os cegos e o espelho gigante
05.09.06
por Rodrigo Campanella
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A Dama na Ãgua
(Lady in the Water, EUA, 2006)
Dir.: M. Night Shyamalan
Elenco: Paul Giamatti, Bryce Dallas Howard, Cindy Cheung, M. Night Shyamalan
Princípio Ativo: sem alarmes e sem surpresas, por favor
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PouquÃssima gente deve acreditar que a fábula da formiga e da cigarra é um guia de comportamento para insetos e/ou uma elaborada ficção realista. Infelizmente, os crÃticos de M. Night Shyamalan se dividem em duas frentes: os que realmente vêem as rachaduras na proposta de cinema do indiano e os que ainda não tem a mÃnima noção do que ele vem filmando há sete anos.
Desde sempre, Shyamalan começa suas fábulas recortando um pedaço da realidade e trazendo ali dentro o sobrenatural. Nessa ponte em que o surreal não apenas aparece no cotidiano mas é uma parte (ignorada) dele está seu melhor.
Em “O Sexto Sentido†ou “Corpo Fechadoâ€, esse lugar pertencia a espaços paralelos ao real: a dimensão das almas-penadas ou o terreno dos super-heróis de hq. A partir do terceiro filme é que a tesourada passa a ser em torno de um pouso concreto: o milharal de “Sinaisâ€, o bosque de “A Vilaâ€, e agora “The Coveâ€, o condomÃnio onde se passa “A Dama na Ãguaâ€. Em todos eles, algo que se repete: uma paralisia humana pelo desejo de continuar a não ver algo e a necessidade de ir contra a crença sem deixar extinguir a fé.
Esse mesmo jogo está na história da assustada ninfa do mar (Dallas) que um dia brota na piscina do condomÃnio-villagio de Paul Giamatti e é acolhida por ele, espécie de zelador do local. Giamatti era mais interessante em Sideways, mas aqui ele se faz do tamanho que o filme quer ser: uma pequena história onde “o quê†é muito mais importante do que “quem†ou “ondeâ€. Tudo se passa praticamente em um pátio com piscina e em dois apartamentos, sem prejuÃzo para quem vai assistir procurando diversão pura.
Como filme, “A Dama†é excelente contação de história. Shyamalan faz arroz-com-feijão muito bem temperado ao filmar e montar, mas seu avanço como diretor fica em usar essa maquininha chamada cinema para engrenar uma reflexão embalada em pacote divertido. Acaba fazendo um filme sobre a certeza de que antes da revolução vem a crença e deixa bem claro que histórias nunca são contadas à toa.
Fazendo esse mesmo cinema Shyamalan escreveu e dirigiu um dos maiores chutes na canela dos EUA pós-11/09, com “A Vilaâ€, e tomou um malho violento (muitas vezes injusto) da crÃtica. Ao usar “A Dama†como vingança, ele quase faz água. É vergonhoso ver o diretor interpretando um revolucionário escritor no filme, falando de si mesmo nas entrelinhas como gênio incompreendido e ainda colocando na boca dos atores alguns drops Disney com idéias-feitas sem graça. Essa parte, jogue pela pia. O que restar será um grande filme.
A revolução não será televisionada. Ela será impressa nas caixas de cereal.
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