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Gere-me por favor

por Rodrigo Ortega

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Fórceps é um coletivo formado por três pessoas que querem transformar um Jota Quest em vinte Macacos Bongs. Leo, Cacau e Marcelo contam a história (ou pelo menos seu primeiro capítulo).

O parto

Leo Santiago: O surgimento do Fórceps se deu logo após o festival Garimpo. Eu tinha acabado de voltar de Cuiabá e estava impressionado com o que tinha visto no Espaço Cubo (iniciativa que promove a auto-gestão e organização cooperativa na cena independente da cidade). Marcelo estava participando do PDM (Plano de Dominação Mundial), que era a tentativa de se fazer em Belo Horizonte o que o Cubo fez em Cuiabá, e acabamos surpreendidos com a resposta que o Garimpo teve.

Cacau: Agora o Fórceps é eu, Léo e Marcelo. Durante a estadia do Léo em Cuiabá, ele teve contato com a movimentação cultural independente de lá e mandava notícias que enchiam nossa boca d´água. Então ele voltou para Sabará e um tempo depois rolou Claro Instrumental na Praça da Liberdade em Belo Horizonte, onde fomos ver Macaco Bong. Gostei muito e bati um papo com os caras da banda, o Kayapy (guitarra) e o Ynayã (batera). Eles foram ficar uns dias no barraco onde moro em Sabará e conversamos muito sobre o Espaço Cubo, o que definiu nossa intenção de começar o Fórceps.

Marcelo Santiago: O Fórceps é fruto da insatisfação e da vontade de fazer as coisas acontecerem, de mostrar que é possível. Nós definitivamente não estamos a fim de passar nossos dias escrevendo bobagens no Orkut, vasculhando vidas alheias ou reclamando de tudo (mas fazendo nada) enquanto tomamos café em algum lugar descolado com a mesada do papai. Se a música independente brasileira deu um enorme salto nos últimos anos, é em grande parte porque as panelinhas formadas por playboys sem talento das capitais estão perdendo espaço para as criações de pessoas realmente interessadas e envolvidas com a música. A internet aproximou essas pessoas e possibilitou que elas tenham visibilidade.

Leo: O objetivo é fomentar a cena cultural de Sabará e região, tentando criar vínculos entre essas cidades da região metropolitana de BH que estão muito próximas, mas que por algum motivo não dialogam. Na área musical, por exemplo, é praticamente impossível encontrar uma banda independente que tenha conseguido tocar nessas cidades. E não é por falta de público, mas sim por não haver um circuito consolidado. O próprio Claudão Pilha disse durante o Escambo que, em 10 anos de Estrume'n'tal, eles só tocaram em umas cinco cidades do Estado.

Marcelo: Resumindo, em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, por exemplo, as pessoas estão conformadas e não partem para a ação. Querem mais do mesmo, ganhar dinheiro com a cultura burocrática, viver de projetos culturais para as leis de incentivo e escolher porcarias aleatórias para idolatrar. Nós somos uma alternativa a isso. Em um primeiro momento nosso foco é local, mas não há a mínima intenção de trabalhar apenas pelas cidades da região. No final das contas, o que importa é a diversão. Sustentabilidade, crescimento, etc, são formas de se chegar ao prazer, de se sentir bem com a vida. Esta é a intenção: tornar a vida melhor.


Escambo: Prof. Claudão

O Escambo

Cacau: O Escambo (primeira ação do Fórceps, festival que aconteceu no último dia 22/12, em Sabará) deu rock pra todos os gostos. Tiveram duas oficinas: divulgação independente, com o Marcelo, e gravação faça-você-mesmo, com Danelectro (Esquadrão Atari), além de um bate-papo com o Claudão (A Obra) que ilustrou bem a proposta do festival no contexto da organização associativa nacional que tá rolando.

Leo: Quando a gente falava de cena independente, Circuito Fora do Eixo e Abrafin aqui, a maioria das bandas ficava sem entender nada e trazendo um cara como o Claudão Pilha que está totalmente dentro deste cenário as coisas vão ficando mais claras para as pessoas. Elas começam a entender que não estamos tirando idéias e planos do nada.

Fórceps, Escambo e o que mais vier pela frente são ações interligadas que existem dentro da lógica do Fora do Eixo que trabalha visando a integração e a auto-sustentabilidade do cenário independente, usando a internet para se comunicar, divulgar etc. Estamos tendo uma oportunidade inédita de produzir de modo independente e trocar essa produção alimentando um mercado alternativo ao das grandes gravadoras ou grandes veículos de comunicação. Devemos isso à internet.

Marcelo: Eu aprendi que é uma ótima idéia acompanhar a previsão do tempo nos dias que antecedem um festival; que encontrar antigas paixões durante um show ruim pode ser uma ótima coisa, já que assim você tem desculpa para conversar em outro lugar; que punks de butique têm medo de pegar chuva para não atrapalhar o moicano; e que as pessoas costumam ser apenas mal-informadas, não burras.

Leo: Não dá pra esperar que surjam trabalhos interessantes se as pessoas não conhecem as músicas das bandas e vão aos shows pra ficar pedindo pra tocar Raul, Nirvana e Iron Maiden. A intenção é fazer com que as pessoas entendam que o mercado independente é viável e possui qualidade. Para isso elas precisam conhecer o que está sendo produzido no resto do país e na sua própria cidade. Não estamos trabalhando para criar um Jota Quest, mas 20 Macaco Bong.


... e a classe atenta

Marcelo: É extremamente satisfatório saber que, ao produzir um festival como o Escambo, estamos contribuindo para que as pessoas mudem suas mentalidades, não apenas em relação à música, mas também à arte como um todo e até mesmo em questão à tolerância. É por isso que no material de divulgação do Escambo você tem a capa de um álbum do Black Sabbath e um da Nelly Furtado, lado a lado. Só de ver a quantidade de meninas com seus 14 anos, sentadas e atentas ouvindo o Claudão, comentando entre si sobre o que era discutido, já valeria a pena ter feito o festival. Aos poucos vamos plantando as sementes.

A idéia é que a partir da próxima edição o Escambo passe a abranger outras manifestações artísticas além da música, mas sem cair na falsa valorização da cultura regional, que tenta impor ao público uma série de embustes. Por isso uma curadoria artística antenada é importante, integrando cinema, literatura e principalmente as artes digitais.

O Grito Rock

Leo: O Grito Rock Sabará (segunda ação prevista do Fórceps, um festival em Sabará, durante o carnaval) será a primeira edição do evento em uma cidade da região metropolitana de BH. Existem outras quatro cidades no Estado e cerca de 50 no total realizando o evento, incluindo Buenos Aires, Montevideu e Santa Cruz (Bolívia).

Marcelo: A minha intenção era fazer o Grito Rock na garagem da minha casa, sério. As bandas na garagem e o público na rua, interditando o trânsito. Algo como uma intervenção urbana que fizesse do festival um ato político de inconformismo. O problema é que há uma delegacia em frente à casa, mas esse continua sendo o plano B.

(N. do E.: A programação do festival já foi fechada e está no blog do Fórceps)

Outros partos

Leo: Entre a criação do Fórceps e a realização do Grito Rock terão se passado apenas quatro meses. Criar, pensar e colocar em prática uma instituição e dois festivais em tão pouco tempo e sem dinheiro algum ainda agora me parece impossível.

Existem dois projetos nos quais iremos trabalhar assim que passar o Grito Rock. O primeiro é a criação de um Cineclube na cidade e o segundo é o desenvolvimento de um trabalho com alunos da rede escolar voltado para a produção cultural. Sãos projetos que já vêm sendo discutidos há alguns meses e a partir de fevereiro vamos bater à porta do poder público e da iniciativa privada para colocá-los em prática. Se conseguirmos ajuda, ótimo. Senão, vamos fazer do mesmo jeito. Nós não pedimos apoio para fazer, nós fazemos e pedimos apoio.

Cacau: O Fórceps inicia 2008 implantando o modelo do sistema cubocard do Espaço Cubo de Cuiabá, o que vai definir nosso cenário totalmente: quem é quem nesse movimento, qual a estrutura física e até intelectual com que a gente conta, etc. Muitas intenções, algumas bem pretensiosas, mas vamos pensando alto mesmo!

Marcelo: Tentamos pensar "alto", quando o que se vê são pessoas no "auto".

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