Contracorrente


Nossa avaliação

[xrr rating=3.5/5]

No universo cristão-católico, a figura do bom pescador é o símbolo do trabalhador honesto. Aquele que alimenta e provê para sua família e comunidade, sem nunca pedir do mar mais do que precisa. Ao usar – e subverter – muito dessa simbologia religiosa em “Contracorrente”, nada mais natural que o diretor e roteirista peruano Javier Fuentes León eleja um pescador como seu protagonista.

Miguel (Mercado) é membro de uma pequena vila pesqueira no litoral peruano, prestes a ter o primeiro filho com a esposa, Mariela (Astengo). Ao mesmo tempo, ele mantém um romance secreto com Santiago (Cardona), um artista ostracizado por todos ali. Miguel não abre mão de ser uma figura respeitada na comunidade, quase um líder, que organiza o almoço de domingo depois da missa e segue à frente nos enterros. Mas também não consegue viver sem o amante.

Se o pescador pede demais, Santiago não hesita em se submeter a uma vida pela metade (ou uma quase-morte). E a relação sado masoquista dos dois toma contornos alegóricos inesperados após uma fatalidade logo no início do filme. Fuentes León cria uma mistura de Jorge Amado, melodrama latino (as novelas brasileiras são referenciadas diretamente, com uma piada bastante interna envolvendo Lauro Corona) e parábola bíblica, em que o primário e egoísta Miguel deve aprender que, para ser o “homem bom”, é preciso antes ser homem.

Miguel e Santiago: ninguém precisa saber?

Em outras palavras, “Contracorrente” problematiza e atualiza valores cristãos para os dias de hoje – algo que a igreja e o papa Nazi se recusam a fazer. Para isso, o diretor abusa da simbologia católica: a vela que marca a presença da alma; a oposição terra/mar carne/espírito; a própria água como ritual de purificação; o ciclo ininterrupto de vida e morte, assim como a relação entre sacrifício e culpa, e como isso é usado pelos fiéis como desculpa para suas próprias fraquezas. Acima de tudo, Fuentes León discute a importância da imagem no universo católico: aquela que é capaz de santificar, mas também de ser símbolo do pecado. E usando isso, questiona: a imagem de Miguel na comunidade é devido àquilo que ele faz ou ao que ele é?

“Contracorrente” abusa dos típicos encontros, desencontros e acasos do melodrama, mas se redime ao não simplificar seus personagens, como a esposa Mariela interpretada pela ótima Tatiana Astengo, por exemplo. É necessário comprar a “viagem espiritual” do filme, contudo tecnicamente a fotografia de Maurício Vidal e a trilha musical de Selma Mutal Vermeulen são belíssimas. Mesmo sem muito requinte narrativo e longe de ser uma obra-prima, o longa de Javier Fuentes León propõe uma interessante reflexão sobre a inconsistência entre o que prega a igreja e a famosa frase de Jesus Cristo: “Eu vim para que todos tenham vida. Que todos tenham vida plenamente”.


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