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“Holy Motors” é uma ode ao poder da representação. Não no sentido restrito de performance ou atuação, mas da capacidade de transformar imagens mentais em ação. De traduzir estados de espírito, convenções sociais e símbolos coletivos em cenários que permitem a um espectador ao mesmo tempo experimentá-los por catarse e entendê-los intelectualmente.
O filme do diretor francês Leos Carax é uma homenagem a todos os artistas que se entregam a esse trabalho. Mas na performance do ator Denis Lavant – que talvez mereça mais que qualquer outra na história do cinema ser chamada de um tour de force – acaba se tornando uma declaração de amor mais específica ao ofício de atuar. Ele é o homem que transita pelas ruas de Paris em direção a nove “compromissos”, assumindo um personagem diferente – experimentando um sentimento e uma faceta diferente do “representar” – em cada um deles.
Começando por uma velha mendiga corcunda “invisível”, passando por uma espécie de Andy Serkis do motion capture e um Rumpelstiltskin que liberta uma modelo (Mendes) de uma representação morta em que um fotógrafo rouba sua alma em um cemitério, o longa parece honrar primeiro os artistas que desaparecem em seu ofício. Em seguida, porém, Lavant vive um pai desapontado que confronta a timidez da filha, um velho no leito de morte ao lado da sobrinha e um homem que encontra um amor perdido (no belo número musical de Kylie Minogue), cenários que referenciam artistas que suscitam emoções mais pessoais em seus trabalhos.
No meio disso, o protagonista ainda vive assassinatos e situações de vida e morte em que Carax e Lavant parecem comentar sobre como o artista vive situações extremas, dada a natureza do seu dia a dia. E, em decorrência disso, como ele só consegue estabelecer conexões humanas “reais” e experimentar o mundo através de sua arte – especialmente no sarcasmo do último cenário, quando o homem volta para sua “família”. A confusão que vai tomando conta do protagonista à medida que esses cenários se acumulam é um retrato do processo de quem vive de criar e sua dificuldade em se desvincular desses projetos quando eles acabam.
Acima de tudo, “Holy Motors” é um filme de símbolos. A limusine é o “veículo” que permite ao artista expressar seu processo (vide o comentário claro feito na última cena do longa). A motorista Céline (Scob) é a diretora que o conduz de um lugar (emocional) a outro, protegendo-o e expondo-o ao mesmo tempo. E Carax deixa claro o caráter de estudo/observação/análise do homem/artista de seu filme nas intermissões com um homem nu em preto-e-branco no início, meio e fim. “Holy Motors” não é uma obra para qualquer um, muito menos para ser vista só uma vez. Mas quem se dispuser a debruçar sobre seus vários significados, pode sair dali com uma dissertação de Mestrado, uma tese de Doutorado ou simplesmente muito combustível para intermináveis conversas de boteco.