A Filha de Ninguém


Nossa avaliação
Nobody’s Daughter Haewon (2013)
Nobody's Daughter Haewon poster Direção: Sang-soo Hong
Elenco: Eun-chae Jung, Sun-kyun Lee, Joon-Sang Yoo, Ji-won Ye


“A morte não tem segredos. Não abre portas. É o fim de uma pessoa. O que sobrevive é o que ela ou ele deram às outras pessoas, o que permanece na memória alheia”

Este é um trecho de “A Solidão dos Moribundos”, livro de Norbert Elias que Haewon, personagem principal de “A Filha de Ninguém”, pega em determinado momento em uma biblioteca. O filme não trata especificamente da morte, mas a noção de finitude perpassa todo o longa. A tese principal da obra de Elias – a amizade e solidariedade dos vivos como forma de mudar nossa atitude frente à morte – irriga a trajetória de encontros e desencontros da garota sul-coreana.

Haewon (em uma interpretação delicada e apaixonante de Jeoung Eun-chae) se encontra em um momento de transição com a mudança da mãe para o Canadá. Sozinha e carente, a estudante de artes cênicas acaba se envolvendo novamente com Seongjun (Lee), um professor e diretor de cinema casado com quem já teve um relacionamento secreto. Acompanhamos então o dia a dia desta jovem que, conforme diz um dos personagens do filme, “não se encaixa no modo de vida coreano”.

A câmera de Hong Sang-soo se coloca como observador: faz-se presente através do zoom e movimentos que chamam a atenção para si. É como se nos ofertasse o voyeurismo sem culpa, o filme com consciência de que está sendo assistido.  Já em momentos mais definidores, o diretor prefere longos planos fixos, permitindo que nossa observação aos poucos se transforme em cumplicidade, e de voyeurs passamos a participantes da história. Um exemplo é um dos melhores momentos do longa, em que uma cena de bebedeira (característica da filmografia de Sang-soo) é ao mesmo tempo tensa, engraçada e reveladora.

É interessante a atração mútua da garota com homens mais velhos. Ela se encanta por eles, eles se encantam por ela. Para Haewon estes homens talvez estejam mais próximos da posteridade, oferecem a segurança de algo que dura, permanece, diferente da efemeridade juvenil.  E para eles, ela pode ser a própria vida. Injeta beleza e luz em seus cotidianos pela simples espontaneidade de viver.

Sung-joon diz ter pouco para deixar após sua morte: apenas filmes, o nome e o filho. Esta preocupação em deixar marcas é uma constante na narrativa, mas e o efêmero? É preciso algo grandioso para sobreviver na memória? Sung-joon não lembra do motel em que dormiu com Haewon, algo que para ela é inesquecível. A tensão das pequenas versus as grandes coisas da vida (e o que é “grande” e o que é “pequeno”) flui por entre os personagens, transbordando da tela e nos fazendo refletir do lado de cá também.

Lembrando muitas vezes a estrutura da trilogia “Antes do Amanhecer”, a produção de Hong Sang-soo é dramática, sensível e irônica.  Uma obra com tempo próprio, contemplativo, em que a solidão dos moribundos (e a dos não-moribundos também) se transforma em força viva pela arte do encontro. Voltando a Elias, o que sobrevive é o que se dá ao outro. Seja isso um simples momento de carinho ou uma potente desilusão amorosa.

Ou um filme como “A Filha de Ninguém”.


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