The Hateful Eight (2015) | |
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Direção: Quentin Tarantino Elenco: Samuel L. Jackson, Kurt Russell, Jennifer Jason Leigh, Walton Goggins |
O oitavo filme de Quentin Tarantino possui uma ironia – mais uma das várias do seu diretor – em relação ao alardeado uso da película de 70mm. O Ultra Panavision 70 reproduz a experiência de assistir a alguns épicos e westerns dos anos 50 e 60 com um aumento do escopo da imagem que privilegia grandes paisagens na telona do cinema. Em seu “western”, Tarantino fez questão da imagem alongada que tanto auxiliou na narrativa mítica do homem contra a natureza esmagadora nos antigos faroestes. Só que ele usou seu 70mm e lentes anamórficas não para uma aventura de cenários grandiosos, mas sim para um filme… de interiores.
A escolha pode parecer estranha, mas faz todo o sentido na linguagem de “Os Oito Odiados”. Pois o filme que brinca com o título original do clássico “Sete Homens e Um Destino” (Os Sete Magníficos, em inglês) não é um western, mas um drama de mistério (a bela trilha de Ennio Morricone já deixa isso claro). Assim, o uso do 70mm (que de certa forma revela mais daquilo que normalmente seria o “extra-campo”) parece a escolha óbvia para imagens que investigam aqueles personagens e os cenários em que se encontram. Seja em uma carruagem ou em uma paragem, olhamos para aquelas pessoas tentando entender quem elas são, o que escondem e onde escondem. Tarantino amplia o escopo e nos dá mais espaço para percorrer com os olhos. Somos também detetives, olhando, investigando, buscando. Mas o diretor brinca com nossa perspectiva, pois ele bem sabe que, em toda boa história de mistério, quanto mais se olha, menos se vê.
Sem pressa ele apresenta seus personagens com o falatório já característico de seus filmes. A história se passa anos após a Guerra de Secessão e começa com um caçador de recompensas (Russell) levando uma mulher (Leigh) para ser enforcada quando uma tempestade de neve e outros personagens surgem de forma inesperada no meio daquela jornada. Aos poucos o roteiro vai revelando que nenhuma narrativa é confiável, e logo a desconfiança do caçador de recompensas passa para o lado de cá da tela. Tarantino mais uma vez surpreende ao construir clichês apenas para quebrá-los em seguida, contando com um elenco excelente (os destaques são Samuel L. Jackson e Jennifer Jason Leigh surtados e perfeitos em seus papéis) para conduzir uma história que deve muito a “O Enigma do Outro Mundo” e “Cães de Aluguel”, do próprio diretor.
A autocitação, aliás, é marcante na obra, uma vez que Tarantino parece referenciar também em seu oitavo filme o “8 ½”, em que Federico Fellini reflete sobre sua própria carreira (e de onde veio a famosa dança usada em “Pulp Fiction”). Então temos um pouco de tudo que o diretor já fez antes, embalado em uma estrutura de capítulos que apresenta dois filmes bem distintos: um mais lento, contido, engraçado e que parece uma parábola sobre o self made man americano; e outro mais dinâmico, explosivo, sobre a desconstrução do sonho americano através da violência, do racismo e da enganação.
Tarantino faz política assim, dando uma de Agatha Christie tagarela que estica a tela do cinema para conseguirmos ver além das manchas de sangue que vão surgindo para todo o lado. É às vezes enfadonho e repetitivo. Mas como acontece com as brincadeiras de detetive, nunca deixa de ser divertido.